Entrevista a Renato Carreira, Escritor Português

É com grande entusiasmo que vos apresento mais um autor português. Talvez porque cada vez que troco um mail ou uma mensagem com ele, acabo sempre por me rir numa qualquer altura. Não que eu o ache palhaço como ele diz mais à frente, mas sem dúvida que tem uma forma de se expressar muito engraçada. Conheçam Renato Carreira!

Sobre mim:
Tenho 34 anos e escrevo profissionalmente há mais de dez. Comecei como guionista televisivo, tive uma experiência muito breve na rádio (mesmo muito breve, foram uns dois meses), passei pela imprensa escrita e tenho feito muita coisa na internet. Entre vários projectos nessa área, o que dura há mais tempo é a inÉpcia (inepcia.com), que começou como site de sátira jornalística e, com o passar dos anos, foi evoluindo para outra coisa qualquer. Na década de noventa do século passado, criei o primeiro site português de humor com conteúdo original. É isso que gostaria de ter como epitáfio.

Estilo e ritmo de escrita:
É inevitável acabar por escrever o tipo de coisas que gosto de ler, mesmo que aconteça de forma inconsciente. Tanto na leitura como na escrita, sou um pouco avesso a descrições demasiado longas que não precisem mesmo de estar lá (quando precisam e contribuem para enriquecer a narrativa, nada contra e tudo a favor). Gosto de deixar coisas por dizer porque, como leitor, acho simpático que o autor peça o meu contributo activo para tornar a história real e para tornar a minha experiência diferente da experiência dos outros leitores. Como autor, quero fazer exactamente o mesmo e fujo a enumerações exaustivas da cor dos olhos de todas as personagens, dos seus penteados, das verrugas que têm na cara e do tipo de meias que preferem calçar. A formação em jornalismo talvez me tenha empurrado para ir directo aos factos. Aplico-me muito nos diálogos, que foram a minha porta de entrada na escrita quando fazia guiões.

Influências:
As influências vêm de tudo aquilo que fui consumindo ao longo da vida e que continuo a consumir. Porque comecei a ler ficção com regularidade relativamente tarde, as primeiras influências vêm do cinema e da banda desenhada e mantêm-se até hoje. Depois, vieram as primeiras leituras sem bonecos. Eça de Queirós continua a ser o expoente máximo da expressão literária em língua portuguesa. Não acredito que seja ultrapassado tão cedo e qualquer autor que o tenha como exemplo inalcançável irá pelo bom caminho. Na adolescência, encontrei numa biblioteca um livro de um autor de quem nunca tinha ouvido falar com um título estranho. Trouxe-o para casa, mesmo estando meio desfeito e cheirando a bolor, só porque tinha um dragão na capa e me pareceu que seria divertido. Chamava-se “O Hobbit”. Apesar de ser ateu, parece-me que terá havido alguma força superior a empurrar-me para aquela estante específica. Outro acaso marcante foi o empréstimo por uma amiga de uma coisa bizarra chamada “The Hitchhicker’s Guide to the Galaxy”. Tolkien ensinou-me a ordenar delírios da imaginação e a torná-los credíveis e Douglas Adams provou-me que ter graça por escrito não só era possível como podia ser muito mais eficaz do que noutro suporte qualquer.

Fala-nos um pouco sobre os teus livros e o que os diferencia:
“Inépcia, o Livro Mais Importante desde a Bíblia” é só uma compilação de textos da inÉpcia durante os primeiros quatro anos da sua existência entre 2001 e 2005. “História de Portugal – Director’s Cut” é precisamente o que diz no título. Um resumo da nossa história desde os primórdios da nacionalidade até 2008 feito num registo humorístico, mas sem nunca perder de vista os factos. “163.547 Caracteres” é outra colectânea de textos da inÉpcia, desta vez de 2001 a 2011. “O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro” é um romance, uma espécie de policial sobrenatural, que tenta encaixar o género dentro de um molde muito português.

Sei que também és tradutor. O facto de o seres, ajuda-te na construção das tuas histórias? (Por acabarem por passar muitos livros pelas tuas mãos)
Tudo o que leio ajuda, incluindo o que leio por obrigação profissional. As traduções permitem um contacto mais aprofundado com as obras, de uma forma que não estará tão imediatamente acessível a um leitor. Porque o trabalho de tradução consiste fundamentalmente numa rescrita do texto original noutra língua, o tradutor é forçado a pensar muito em termos de estrutura e coerência narrativa e isso será um exercício útil também quando se escreve.

A comédia é algo que parece estar entranhada na forma como comunicas. Explica-nos essa tua faceta.
A minha faceta de palhaço? Obrigado por colocares a questão de forma tão cuidadosa. Quando comecei a escrever, escrevia humor. Acredito que o sentido de humor é tão essencial à existência como o oxigénio e isto traduz-se em tudo o que faço. Mesmo em “O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro”, por exemplo, que não é um trabalho humorístico, o humor está presente porque é parte intrínseca da personalidade de algumas personagens. Noutras está ausente porque os chatos também merecem ser retratados na ficção. E porque, na realidade como na ficção, nem tudo é motivo de riso, claro.

Projectos Futuros:
Estou a trabalhar num romance de aventuras juvenil. A seguir, tenho já alinhavados outros projectos, sendo que todos eles serão radicalmente diferentes dos anteriores. Quando estiverem todos concretizados, apetecia-me voltar ao universo de “O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro”, de preferência num livro com um título ainda mais longo.

Pergunta da praxe: O que achas do blog Morrighan?
Nota-se muito que é feito por amor à leitura e com dedicação e, como tudo o que seja feito nestes moldes, por amor e com dedicação, merece estima e incentivo. Pedia a todos os que lerem esta entrevista que parem imediatamente o que estiverem a fazer e brindem a autora com uma ovação de pé. (Abro uma excepção para pilotos de avião e pessoas com crianças ao colo.)


Mais sobre o autor e os seus livros:

O Fim Chega Numa Manhã de Nevoeiro

Eds. Saída de Emergência

2011

Acontecem coisas sinistras pelas ruas de Lisboa. Coisas que nos escapam ou que preferimos ignorar por falta de explicação. Também Baltazar Mendes as ignoraria, se pudesse, e talvez assim não se visse tristemente reduzido de inspector policial a sujeito compulsivo de uma avaliação psiquiátrica para determinar se é ou não um louco assolado por delírios mirabolantes eum perigo para a sociedade. Mas sabe bem que não são delírios. A culpa é do Sr. Salcedo, um investigador paranormal que insiste em arrastá-lo para um submundo de que não quer fazer parte. E tudo porque Baltazar tem um dom. Ou uma maldição…

Encomenda online aqui.

163.547 Caracteres – Uma Colectânea Aleatória

Espelho Parabólico

2011

Aleatória porque não houve lógica ou método na selecção dos textos além das boas recordações que ainda despertam em quem os escreveu. Colectânea porque, dê por onde der, é uma recolha feita a partir de dez anos de inÉpcia, condensando em algumas gramas de papel uma década de Portugal e mundo adjacente. Cento e sessenta e três mil quinhentos e quarenta e sete caracteres porque calhou.

Download gratuito aqui.

História de Portugal – Director’s Cut

Eds. Saída de Emergência

2008

A construção do Mosteiro dos Jerónimos deve-se a Salazar ou ao Marquês de Pombal? O caminho marítimo para a Índia foi descoberto por Gil Vicente ou Mouzinho de Albuquerque? Qual a data exacta do 25 de Abril de 1974? Todas as questões serão respondidas neste volume em que 60% dos factos foram cuidadosamente verificados pelos métodos científicos mais modernos. A leitura perfeita para quem sempre desejou um conhecimento superficial da História de Portugal, mas nunca se quis dar ao trabalho. Este livro poderia perfeitamente ser uma História de Portugal. Mas alguém lembrou o autor de que não tem formação para isso… Nem competência. Nem conhecimentos. Nem jeito. Se pormenores sem importância impedem que se faça uma História de Portugal legítima, faça-se então uma História de Portugal em formato Director’s Cut. Tal como os filmes que os realizadores alteram para mostrar ao público como teriam ficado se lhes tivesse sido dada liberdade total para mostrar as coisas à sua maneira. E também porque fica sempre bem pôr qualquer coisa em inglês na contracapa de um livro. Dá requinte. Dá élan. Corporiza o Zeitgeist. E é quase tão fino como incluir palavras em francês e alemão.

Encomenda online aqui.

inÉpcia – O Livro Mais Importante desde a Bíblia

Coolbooks

2005

A cantar desde Janeiro de 2001 e com um teor mínimo de originalidade de 97%, a Inépcia tem distraído gerações incontáveis de pescadores de Bacalhau nas frias noites da Gronelândia, onde as únicas companhias são o computador com ligação à Internet e misteriosas dores no pulso. Fundado numa manhã de nevoeiro por um grupo de monges budistas amigos do tinto, este e-zine satírico sem corantes nem conservantes conseguiu tornar-se num meio de comunicação de referência nos principais países produtores de banana e está bem posicionado para ganhar o almejado “Chicharro de Ouro” (prémio que o autor atribui a si próprio sempre que tem dinheiro para pagar ao dourador). Para mais informações, visitar www.inepcia.com ou o imigrante eslovaco mais próximo da sua área de residência.

Esgotado. Editora defunta. Possivelmente incinerado. 

Podem encontrá-lo aqui:

http://capitulo-zero.blogspot.com/

http://renatocarreira.com/index.html

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3 Comentários
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Unknown
Unknown
12 anos atrás

Olá Sofia. 😉
Já juntei o livro deste senhor (O do nevoeiro) à minha lista de compras…
Mais um…
Ah, na volta do correio virá um livro do David Soares, que também conheci graças ao teu blogue. 😀

Morrighan
Morrighan
12 anos atrás

Obrigada pelas tuas simpáticas palavras André Nuno 🙂 Fico contente por contribuir!

Bjs

Ana C. Nunes
Ana C. Nunes
12 anos atrás

Mais uma entrevista curiosa e com um autor que já tenho 'debaixo de olho' há uns tempos. Para alguns o humor literário é um género menor, mas discordo. Aliás, sou bem capaz de apreciar mais um livro que faça rir em público do que um com um tema muito sério e bem tratado. Pois para fazer rir é preciso muito talento.

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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