Entrevista aos Nobody’s Bizness, Banda Portuguesa

Já foi no dia 13 de Janeiro que tive a oportunidade de entrevistar os Nobody’s Bizness através da sua vocalista Petra Pais. Sentámo-nos as duas, no café Louie Louie no Chiado e conversámos sobre a banda, o seu percurso e ainda algumas curiosidades. Foi uma conversa super bem disposta e que me fez rir novamente enquanto ouvia a gravação para fazer a transcrição. Lamento apenas que a última parte não tenha ficado registada, mas vou confiar na minha memória para completar a última questão! Conheçam então os Nobody’s Bizness, uma banda portuguesa se blues que já conta com 10 anos de existência e que no dia 27 de Janeiro irão lançar o segundo álbum de longa-duração “Donkey”.

Os Nobody’s Bizness começaram em 2003, há cerca de 10 anos, e foi em 2006 que lançaram o vosso primeiro EP e em 2010 o vosso primeiro disco de longa duração. Porquê o nome Nobody’s Bizness?

O nome foi sugerido por um dos membros fundadores, que já não está na banda, e é o nome de um clássico do jazz ‘T Ain’t Nobody’s Bizness. Não sei muito bem porque é que ele sugeriu aquilo na altura, mas nós concordámos todos.

Como é que surgiu a ideia de se juntarem e formarem a banda?

Foi um amigo meu e do Luís Ferreira, que já é nosso amigo de há muitos anos, que achou que nós devíamos começar a fazer alguma coisa juntos. O Luís Ferreira, o Luís Oliveira e esse membro que saiu, já tinham uma banda há muitos anos, foi assim que os conheci, aliás, e houve uma altura em que fiz uma brincadeira com eles para um festival de blues e gravámos três ou quatro músicas. Correu tão bem que esse nosso amigo desafiou-nos a fazer algo diferente e foi assim que surgiu, um pouco sem querer, fizemos um concerto sem querer e daí surgiu a banda.

Como é ter uma banda de jazz/blues em Portugal?

Não é propriamente fácil, nós até temos tido alguma sorte. Talvez por fazermos algo menos óbvio, diferente do que se tem feito daquele estilo mais eléctrico em que depois há um café ou um bar em que se toca. Nós optámos por um caminho talvez mais obscuro, por fazer isto de uma forma essencialmente acústica, e isso diferenciou-nos um bocadinho. Temos tido um bocado mais de disposição, de mais actividade do que a maior parte das bandas que na altura faziam a mesma coisa que nós fazíamos, que agora já não é bem. Não é um caminho evidente, é um nicho, é uma coisa muito pequena, não há muita gente a ouvir, não é uma coisa em que ligues a rádio e está a tocar blues. Mas faz-se por gosto.

Qual é a receptividade do público português?

Eu acho que começa a haver mais abertura de há uns anos para cá. Começaram a surgir projectos como o The Legendary Tigerman que foram buscar fãs mais jovens e que abriu um bocadinho as portas ao interesse das pessoas em termos de descobrir quem é que está por trás destes projectos, mas não é um fenómeno de massa. O que eu me apercebo é que as pessoas comprar o disco até não compram, mas quando vão ao concerto, seja nosso ou seja de outra banda, as pessoas gostam. Quando ouvem ao vivo, até se identificam e aquilo até mexe com eles. Têm é de dar esse passo.

O vosso EP teve mais de 20.000 downloads oficiais. Achas que o facto de estar disponível de forma gratuita atrai mais pessoas para ouvir esse género?

Eu acho que sim, mas que não é um fenómeno exclusivo do blues. Mais depressa as pessoas vão buscar uma coisa online que é gratuita do que compram o disco. Eu já não me lembro bem as origens dos downloads, mas sei que desses 20.000 nem todos foram de Portugal, estenderam-se por outros países. Inclusive, tivemos até uma entrevista muito especial que demos para uma rádio no Nebraska, saímos em compilações na Polónia, foi algo um bocado estranho para nós, pois não estávamos nada à espera. É como te disse, penso que as pessoas primeiro precisam de ver ao vivo e depois talvez comprem os cds.

Donkey, o vosso próximo álbum de longa-duração, que sai a 27 de Janeiro, foi produzido através de Crowdfunding. Como é que foi essa experiência?

Superou as nossas expectativas. Foi uma amiga nossa que sugeriu o crowdfunding e nós até estávamos um bocadinho pessimistas porque esta é uma altura muito complicada para toda a gente e nós não estávamos a pedir um valor propriamente baixo, eram 4.000€. Não só se atingiu esse valor como se ultrapassou. Não estávamos à espera e percebemos que as pessoas gostam de facto do que nós estamos a fazer e isso acaba por ser uma validação do projecto. Houve muita gente que contribuiu que nós não conhecemos, houve muitos amigos, claro, e muitos familiares, mas também muitos desconhecidos, o que foi uma grande surpresa. É bom sentir que as pessoas acreditam no projecto e que querem de alguma forma ajudar a dar-lhe continuidade.

Ouvi dizer que irão haver concertos em casa! O que nos podes dizer sobre isso?

Tenho ideia que serão três. Havia um patamar de contribuição em que a recompensa era um concerto em casa dessas pessoas. Ainda não estão marcados, mas iremos fazer três concertos em casa dessas pessoas. Acho que vai ser muito giro.

Como tem sido o vosso percurso ao longo destes 10 anos?

Tem sido positivo. Como disse anteriormente, acho que temos tido a sorte de poder fazer algumas coisas que outras bandas que comecem no mesmo meio normalmente não fazem e porque tivemos a sorte de encontrar na banda uma família. São 10 anos juntos, 10 anos com essas pessoas, e também as pessoas que estão à volta, que trabalham connosco. O Paulo Miranda é como se também fosse um elemento da banda, a Margarida que também trabalha connosco, têm sido 10 anos bons. Com luta, com alguns sacrifícios, mas são essencialmente bons.



A nível musical, tendo em conta as vossas referências com que começaram até criarem a vossa própria identidade, os vossos originais, como foi esse processo?

Surgiu espontaneamente no primeiro disco de estúdio. Nós gravámos 13 ou 14 temas e como eram tão obscuros, nós tínhamos de pedir as autorizações a publishers que às vezes eram quase impossíveis de localizar. Houve autorizações que pedimos na altura que ainda estamos à espera de obter resposta. Na altura obtivemos cerca de metade das autorizações que queríamos. Isto são coisas que foram gravadas em 1920, os publishers já estão com tios e sobrinhos do “não sei quem”, é quase impossível. Como tal, precisávamos de mais temas para colocar no disco. Então começámos a escrever, fizemos 4 ou 5 temas, e percebemos que até corria bem e que era mais gratificante para nós fazermos a nossa própria música. Era mais arriscado, dava mais medo, mas sabia-nos melhor. É muito mais fácil identificares-te com aquilo que escreveste do que com o resto, porque é uma coisa nossa. A partir desse momento, em que começámos a escrever os nossos temas, aí sim, tornou-se natural. Já não nos passa pela cabeça, neste momento, perder o tempo que perdemos com os originais, até porque o que nós fazíamos antes acabavam por ser originais, fazíamos arranjos que davam muito trabalho, só que agora já não nos passa pela cabeça fazer isso com temas que não sejam nossos.

Foi esse o maior salto que deram do último álbum para este novo?

Sim, esse e a sonoridade, que também está muito diferente.

Principais influências que vos deram aquele empurrão na vossa inspiração?

Um dos grandes que comecei a acompanhar desde sempre foi o Willie Dixon, que tem um compositor de músicas que escreveu para toda a gente e mais alguma, o Neil Young. As influências são muito díspares. Temos também portugueses como o Zeca, enfim, podíamos estar aqui horas.

Em relação ao nome do próximo álbum “Donkey”, sei que está ligado à associação Burricadas que ajuda burros mal tratados. De onde é que surgiu a ideia de se juntarem à Burricadas?

Quando começámos a pensar no disco, já tínhamos em mente que queríamos ajudar uma associação e estávamos precisamente virados para os burros porque o Pedro Ferreira tinha ido visitar uma associação no norte do burro mirandês e voltou apaixonado. Nós gostamos muito de animais e então fomos pesquisar o nome da associação e descobrimos a Burricadas, que não só era perto de casa como o trabalho que eles faziam era mais válido, não só no sentido de protegerem uma espécie em vias de extinção como também irem buscar burros que à partida estavam condenados. Burros que serviram durante anos, 30 a 40 anos porque os burros têm uma longevidade enorme, e que estavam em estados miseráveis, mal tratados, magros, com doenças, que eram vendidos para carne de abate nas feiras. Descobrimos que não só estavam perto de nós, como precisavam desesperadamente de ajuda, continuam a precisar neste momento, mesmo muito, têm uma campanha agora porque precisam de comprar um atrelado novo, pois eles deslocam-se para o país inteiro. Se alguém lhes enviar um mail a dizer que encontraram um burro amarrado a uma árvores qualquer, são eles que vão lá resgatar o burro. Depois de os descobrirmos, de termos ido lá e de termos conhecido os burros, para nós fez todo o sentido ajudar dentro daquilo que conseguíamos. Ou seja, conseguirmos que alguém ouça o disco e ainda vá ao site e queira apadrinhas um burro, que é baratíssimo, 25€ por ano e estão ajudá-los muitíssimo, conseguirmos isso com quatro ou cinco pessoas já fico contente.

Hoje em dia, os ouvintes utilizam muito a plataforma Spotify para descobrir novas bandas e ouvir música. Quem vos quiser ouvir ainda não o pode fazer por lá. Alguma razão em especial?

Vai acontecer agora, vamos fazer uma distribuição digital. Nunca tivemos nada contra e sabemos que acaba por ser inevitável, são os ares do tempo, nem vamos tentar lutar contra isso. Aliás, tivemos aquela experiência com o EP, que também se não fosse aquele EP nós não tínhamos sequer gravado o primeiro disco, iríamos continuar a tocar em bares, alegremente anónimos. Sei que em parte prejudica um bocadinho porque afecta a venda de discos, mas as bandas têm que se ajustar a esta nova realidade. Mais vale ser o artista a controlar quem é que coloca o trabalho disponível na internet. 

No texto promocional de “Donkey”, o Francisco Silva vai buscar muito as origens tradicionais da vossa música, ou seja, considera-vos como parte integrante da raiz dos blues e do jazz e não uma maralha ruidosa a gritar por atenção. Já tive o prazer de ouvir o vosso disco e concordo com muito do que ele diz, principalmente pela vossa genuinidade e identidade própria. Muito diferente de projectos mais comerciais. Como é que se sentem ao receberem feedbacks destes?

Isso para nós é excelente. Essa postura de que falam, tradicional, não é uma coisa consciente, tem mais a ver com aquilo que nós ouvimos. Qualquer um de nós ouve mais depressa discos que foram gravados há 50 anos do que uma coisa gravada em 2012, honestamente. Há excepções, claro, o Paul Simon continua a gravar, por exemplo. Mas a verdade é que continuamos a ouvir mais essas coisas tradicionais, faz mais sentido para nós, para aquilo que gostamos. Estamos um pouco alienados do que se faz actualmente, mas penso que esse tradicional se reflecte naquilo que escrevemos.

Agora umas perguntas um pouco fora do contexto! Costumam ler? Livros/Autores preferidos?

Eu leio muito, devo ser a única. Talvez o Pedro também leia muito. Gosto de Saramago e Pessoa, mas tenho andado a descobrir autores norte-americanos, pois tinha alguma resistência a esses autores. O Let the Great World Spin de Colum McCann foi um dos livros que mais gostei de ler nos últimos 10 anos.

Clássicos da literatura?

O primeiro livro que li em miúda, foi o Anna Karenina. Claro que na altura não o percebi, mas depois voltei a lê-lo e adorei-o. Vitor Hugo também é um dos eleitos.

Algumas vez escreveste alguma coisa fora da música?

Houve um tempo, em que tinha mais disponibilidade, em que tive 2 ou 3 blogues ao mesmo tempo, um deles até tinha um heterónimo que chegou a ser publicado na 365, mas isso já foi há muitos anos…! Agora, infelizmente, não tenho tempo. O pouco que tenho dedico ao Nobody’s Bizness.

As leituras influenciam as vossas músicas?

Penso que acaba por influenciar sempre, mesmo que de forma indirecta, aquilo que escrevo. 

Que tipo de livro é que achas que a vossa música podia inspirar? Um romance, um thriller, um policial, um drama? 

Se calhar uma coisa na onda do Bichos do Miguel Torga, como tem a temática do burro, porque não?

Um palco que seja como voltar a casa?

Sines e Portalegre. São dois sítios dos quais temos muito boas recordações. Em Barcelos também gostámos muito de actuar.

Sonhos por realizar?

Temos muitos…! Talvez o maior seja conseguirmos só fazer música. Poder largar o day job, mas é mesmo um sonho, já ninguém tem essa expectativa. Mas o maior sonho é esse, podermos viver só da música.

Achas que é mais difícil vingar nesse aspecto em Portugal do que no estrangeiro? Viver só da música?

Não, acho que é difícil em todo o lado. Aqui porque o mercado é pequeno, e lá fora como é tão grande, vais ter muito mais gente a lutar para a mesma coisa que tu.

Mensagem para os leitores do Morrighan?

Leiam muito, ouçam ainda mais o nosso disco (risos)! 

____

PS: A mensagem para os leitores do Morrighan era um bocadinho maior, mas a gravação foi interrompida logo no início da resposta e como tal, sobrou apenas aquele bocadinho. Quero sublinhar aqui que foi óptimo estar à conversa com a Petra. Fartámo-nos de rir, sempre bem dispostas e a transcrição soube-me a pouco, confesso. Infelizmente, e por a entrevista ter sido num sítio com música de fundo, decidi não disponibilizar o áudio por estar com fraca qualidade.

Pesquisem pelos Nobody’s Bizness, descubram a sua música e desfrutem da sua sonoridade. E quem puder e tiver interesse, claro, ajude a Burricadas 🙂 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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