Entrevista aos Capitão Fausto, Banda Portuguesa

Eles são os Capitão Fausto e apresentam hoje, às 22h no Lux, o seu novo álbum intitulado de “Pesar o Sol”. Domingos, Francisco, Manuel, Salvador e Tomás, conhecem-se há imensos anos e em 2010 decidiram formar a banda que hoje conhecemos como Capitão Fausto. Em 2011 aconteceu o Gazela, primeiro de longa duração, e para celebrar o lançamento deste segundo, sentei-me com o Tomás à conversa para ficar a saber um pouco mais sobre a banda e o que Pesar o Sol tem para nos transmitir. Obrigada, Tomás, pela disponibilidade, simpatia e boa disposição. Impecável!

Primeira pergunta, muito simples, qual a origem do nome Capitão Fausto?

Na primeira fase da banda, na promoção do disco Gazela, fizeram-nos muito essa pergunta e nós inventámos histórias em todas as entrevistas, todas elas diferentes. A verdade da verdade é que não existe nenhuma razão específica, são duas palavras bonitas e é um nome, não é muito mais do que isso. É como chamar alambique a um alambique, ninguém sabe muito bem porque é que se chama assim, mas chama-se assim. Não tem, na verdade, nenhuma história, nenhum processo, não tem nada que simbolize muito os nossos gestos; a nossa temática era sempre inventarmos uma história que tivesse a ver com o Salvador, o nosso baterista, e com o Brasil, e então nós inventávamos que ele tinha vivido lá numa altura da vida dele e que se tinha cruzado com um personagem qualquer, que nós também inventávamos na altura. Era muito engraçado. Nós dávamos muitas entrevistas em conjunto e quando faziam essa pergunta, nós apontávamos sempre para alguém, do género “Ah! O Domingos sabe contar muito bem essa história”, e o Domingos tinha de inventar alguma na altura, sabia mais ou menos os temas que tinha de abordar e inventava.

Nunca vos cobraram essas histórias diferentes?

Cobraram, cobraram. Nós respondíamos que estavam totalmente enganados e depois inventávamos uma nova e as pessoas diziam “Ah, ok…”. Nunca percebi se quem sabia se ficou baralhado ou se se fingia surpreso só para o acto ser mais divertido. (risos)

Como surgiu a ideia de se juntarem e formarem a banda?

Nós já tínhamos bandas mais antigas, quando éramos mais miúdos, e começámos a ter vontade de nos juntarmos. Eles estavam todos juntos numa banda, eu estava noutra, e quando nos conhecemos começámos a darmo-nos muito, a ouvir música juntos e a ter vontade de procurar alguma coisa que fosse diferente daquilo que andávamos a fazer e que, de alguma maneira, satisfizesse os padrões de verdade ou os padrões de transparência que nós começámos a apercebermo-nos que tínhamos de procurar. Um dos primeiros passos foi nós apercebermo-nos, e é uma conclusão bastante básica, que se cantarmos em português vai obrigatoriamente ser mais natural do que nós cantarmos em inglês. Porque se eu escrever uma carta a uma imaginária namorada inglesa não vou conseguir ser tão transparente e sincero como se escrever uma carta a uma eventual namorada portuguesa. Acho que a ferramenta da linguagem é muito importante, sou muito defensor desta abordagem clara das pessoas usarem as ferramentas com as quais estão mais confortáveis. Cada um de nós toca o instrumento que sabe tocar melhor ou que domina melhor ou que consegue explorar melhor, e a língua também é a mesma coisa. Acabámos por nos juntar, éramos amigos de liceu, foi no princípio da faculdade em 2009, começámos a ensaiar, fizémos primeiro um EP que não editámos por lado nenhum e que existe em modo virtual, e a coisa começou-se a compor. Os caminhos mudaram muito, as opções estéticas, as influências, foram mudando, produto de nós ouvirmos muita música juntos.

Qual foi a sensação de começarem a ver o vosso trabalho a ser ouvido por centenas de pessoas, começarem a actuar ao vivo, seja em concerto fechado ou festivais? 

Foi um processo muito gratificante, mas na altura não nos apercebemos muito do que estava a acontecer no próprio momento. Só quando começámos a olhar para as coisas em retrospectiva é que nos começámos a aperceber que de facto já havia pessoas a ouvirem as coisas e de repente davam atenção àquilo que eu andava a cantar, ou àquilo que eu andava a dizer, ou as pessoas tinham registadas nas cabeças as malhas de guitarra ou os temas que nós repetíamos nas músicas. Começámos a apercebermo-nos de que o que nós fazíamos era importante para muita gente. Foi tarde que nos começámos a aperceber disso e da responsabilidade que isso tem, mas foi gratificante. Foi estranho ao princípio, uma pessoa nunca se vê nessa posição, mas é interessante.

O Gazela saiu em 2011 e agora em 2014 sai “Pesar o Sol”. Que expectativas é que têm em relação a este último?

Eu acho que nós nos preparamos com expectativas muito ajuizadas, não gostamos de ter grandes expectativas em relação às coisas. Acho que planeamos as coisas o melhor possível, mais uma vez com as ferramentas que temos à disposição e com as pessoas que nos ajudam, felizmente, mas não vale a pena estar à espera de muita coisa porque dá azo a eventuais desilusões ou surpresas.

Em termos de música e de conjunto, que evolução têm sentido desde o Gazela?

É uma evolução muito grande, não no sentido da palavra evolução – melhoria, mas evolução de processo, de caminho. Apesar de tudo, o facto de nós termos lançado o primeiro disco, condicionou muito os resultados a seguir porque nós andámos a tocar muito, a fazer muitos concertos, começámos a perceber em concerto do que é que gostávamos mais, do que é que gostávamos menos, as próprias sonoridades foram sendo descobertas à volta disso. Portanto, o segundo disco é uma resposta a estarmos confrontados com essa situação.

“Pesar o Sol” foi masterizado pelo Greg Calbi, que já trabalhou com os Tame Impala e Kurt Vile. Já ouvi o vosso álbum e fez-me lembrar a sonoridade de Tame Impala, não colocando em causa a vossa própria identidade que está bem notória. Acham que a contribuição do Greg acabou por ter essa influência no álbum?

Acho que o que pode ligar é a abordagem ao som, o que não é assim tão provocado pela masterização. A masterização é um processo a que se dá muita importância, e eu acho que tem mérito, mas é um processo que não muda muito as coisas. Basicamente, é uma ferramenta que serve para exponenciar aquilo que foi gravado ao máximo em qualquer plano. Nós gostámos muito dos resultados e deu também para perceber onde é que se encaixa o papel da masterização, porque até termos apontado nessa direcção, não sabíamos muito bem quais é que seriam os resultados disso. Acho que foi importante e a forma como o disco foi gravado e se calhar a complexidade de algumas escolhas estéticas e sónicas, foi resolvida por esta masterização específica, por fazermos esta escolha.

O texto de Tiago Castro sobre o vosso álbum tem a particularidade de vos chamar  “Os Incríveis Capitão Fausto”. O que é que sentem ao receber este tipo de feedback, de reacção?

Eu acho que tem graça porque o tom com que ele diz isso é um tom de nos colocar um bocado como personagens de banda desenhada. Não quer dizer obrigatoriamente “as pessoas cheias de qualidade”, quer antes dizer “as pessoas que abordam o universo desta maneira”, uma maneira um bocadinho fantástica, do surreal e dos gestos magnânimos. Tomei mais um bocadinho por esse lado, acho muito engraçado, eu gosto muito do Tiago Castro.

Sei que andaram em tour de antecipação ao “Pesar o Sol”. Como correram os concertos? 

Correram bem, é sempre muito difícil analisar a resposta do público, a reacção do público, porque quando aparecem coisas novas que as pessoas não identificam, ou não reconhecem, normalmente, o que é bom é haver pouca reacção. As pessoas estarem atentas, estarem paradas e estarem a estranhar aquilo ou estarem a tentar perceber. Acho que neste caso, na nossa digressão, aconteceu um bocadinho isso. Quando tocávamos as malhas novas, as pessoas acalmavam um bocadinho a euforia, a energia que estava a ter o concerto e ficavam um bocadinho intrigadas, o que é bom sinal. Acho que correu bem, temos de ver agora a reacção quando as pessoas já conhecerem o disco.

Pegando um pouco por aí, como é que achas que é a aceitação do público português a novos projectos musicais portugueses?

É boa, nós surgimos numa fase muito boa, tivemos a cama feita por um movimento da música nova portuguesa que já estava a passar a existir. Nós viemos encaixar num buraco que existia para nós. Não fizémos, parece-me de todo,  o gesto de rasgar e de inovar com isso. Durante muito tempo houve pouca confiança no universo da arte pop em português, sobretudo nos anos 90, e houve certos movimentos como foi a Flor Caveira, como foi a Amor Fúria ou como foi a Pataca, que de alguma maneira vieram deixar um gesto violento de que as coisas em Portugal ainda se fazem e nós ainda somos 100% portugueses e que as pessoas ainda conseguem gostar disso. Portanto, quando chegámos, já havia um bocadinho dessa preparação e essa impressão já estava praticamente em curso. Cada vez mais se vê que as pessoas já não têm tanto uma atitude redutora ou uma atitude pouco ponderada em relação à música em português. Antes ouvia-se muito “não ouço música em português”. Hoje em dia, não sei se é das pessoas que me rodeio se é mesmo consequência deste processo, as pessoas estão um bocadinho mais abertas, um pouco mais confiantes.

Consideras que cantar em português é então uma das vossas imagens de marca?

Não sei se é uma imagem de marca, eu acho que é só uma atitude natural de usar aquilo que nos é mais natural. Se nós tivermos um parafuso de estrela para apertar podemos, perfeitamente, usar uma chave de fendas normal, mas aquilo que vai funcionar mesmo melhor é uma chave philips de 5 e se for do tamanho certo ainda melhor. A melhor ferramenta para resolver o problema pode não ser a que tem maior qualidade, e não estou a dizer por isto que não tem, mas é aquela que vai facilitar mais o gesto e que vai desviar um bocadinho a atenção da técnica. Se nós formos compor músicas em que estamos com os instrumentos todos trocados, vai ser um processo divertido, vai ser um processo interessante, mas nós vamos estar a gastar muito mais tempo a pensar na técnica que vamos empregar e a resolver problemas técnicos para conseguirmos exprimirmo-nos do que é que propriamente vamos estar a exprimir. A questão da linguagem é exactamente igual, é conseguir por de parte a dificuldade técnica e ir mais directo ao assunto. 

Se vos perguntarem “Que tipo de música é que os Capitão Fausto cantam/tocam?” o que é que vocês respondem?

Às vezes fazem-me essa pergunta e eu acho que é uma pergunta difícil de responder. O olhar que cada um tem sobre as próprias coisas que faz, é sempre muito diferente, e é muito mais diferente, do que qualquer olhar uns dos outros. Existe um espírito crítico muito intenso sobre as coisas que nós próprios fazemos e até as acções são mais obsoletas para quem as faz do que para quem assiste às coisas a serem feitas. Tudo isso, neste caso específico impede um bocadinho de ter um apontamento pontual e certeiro daquilo que nós tocamos. Normalmente aquilo que eu respondo é que é uma banda de rock, na onda das bandas do fim dos anos 60, mas recontextualizadas para os dias de hoje, não sei definir muito mais do que isso. 

Quais é que consideram as vossas maiores influências/contributos?

Não existe música sem influências, quem quer fazer música, quem quer fazer um disco, é porque gosta de ouvir discos. Não gostar de ouvir discos e querer tocar, é uma pessoa que procura fama e normalmente não dá bom resultado e, não entrando em mais pormenores, há muitos exemplos muito à vista (risos). As coisas nunca são totalmente inventadas. Uma vez li uma entrevista do Álvaro Siza, o arquitecto, da altura em que ele ganhou o Pritzker, em que falavam das janelas dele que tinham um traço de carácter muito forte e que exprimiam muitas coisas e criavam uma linha continua entre os projectos todos dele, e a resposta dele foi “Mas quais janelas? Eu copio-as todas!” Portanto, muitas vezes o facto de ir buscar um elemento específico, as referências nunca podem ir a conjuntos, mas o facto de ir buscá-lo a um sítio específico e colocá-lo noutro completamente diferente, têm exactamente a mesma forma e o mesmo tamanho, mas quando se descontextualiza, as coisas mudam muito. Na altura do disco nós andámos a ouvir muito um disco dos The Pretty Things, o S.F. Sorrow, andámos a ouvir muito os últimos discos dos Beatles, como andamos sempre. Os discos dos Beatles, eu acho que é daquelas coisas, uma pessoa vai ouvindo música e depois existe, numa qualquer fase da vida, um disco dos Beatles que anda a ouvir mais. Por acaso agora ando numa fase de ouvir muito o Help!, nunca o tinha ouvido tanto. Mas andámos a ouvir os primeiros discos dos Pink Floyd e existem mais uma data de influências. De repente, os géneros deixaram de ser antagónicos, quando existe já uma certa distância em relação aos acontecimentos. Uma banda do final dos anos 70, uma banda de punk como os Sex Pistols ou os Clash, detestavam os Pink Floyd e uma série de gestos musicais produzidos pelas gerações anteriores. Neste momento, nós já estamos numa fase em que as pessoas que gostam de música, tanto gostam de ouvir o Dark Side of the Moon como gostam de ouvir o London Calling dos Clash. E podem ouvi-los de seguida e são gestos completamente diferentes, mas que já condizem. Nós já fomos produto um bocadinho dessa mistura de influências, em que o foco perde um bocadinho a intensidade, mas sobretudo estamos focado nos fins dos anos 60. 

Em relação ao feedback dos vossos fãs, têm alguma situação engraçada ou diferente que queiram partilhar?

Não especialmente. 

Um palco que seja como voltar a casa.

O nosso local de ensaio? (risos) Não, acho que há concertos melhores e concertos piores, mas as coisas têm todas um certo interesse. Também já me perguntaram se eu prefiro tocar em palcos muito pequenos ou em palcos muito grandes… E se calhar se me fizerem essa pergunta em dois dias diferentes eu vou responder duas coisas diferentes. O melhor que tenho a dizer é que gosto dos dois, depende do palco em si, não tenho assim nenhum preferido. 

Aqui no Morrighan também nos dedicamos à Literatura. Nesse contexto, que tipo de livro é que vocês acham que, ao serem a banda sonora de um escritor, poderiam inspirar?

Das duas uma, sobretudo com este disco especificamente, eu acho que ou inspira um romance de ficção científica ou se calhar um diário. 

Na banda, alguém costuma ler?

Sim, falando por mim, menos do que desejo. Só posso responder por mim, embora todos costumem ler, mas ando a ler bem menos do que aquilo que gostava de andar a ler. Andei a ler há pouco tempo, e nas letras até se notam algumas influências, As Flores do Mal que é uma colectânea de poemas de Charles Baudelaire. Andei a ler o On the Road do Jack Kerouac e o Naked Lunch do William S. Burroughs. Andei a ler muita poesia variada, muito Cesário Verde, muitas coisas de Fernando Pessoa, do Almada Negreiros… A poesia do Almada Negreiros é muito peculiar, é muito poesia do pintor, uma pessoa que sabe é criar texturas e padrões e impressões directas, mas que não está assim tão à vontade com a ginástica das palavras.

Sonho por realizar? Sei que devem ter muitos, mas algum em especial? Irem para o estrangeiro, por exemplo?

Está em cima da mesa, não se sabe, isso depende. Por muito que nós queiramos acho que não é uma coisa que controlamos, portanto, outra vez, temos umas expectativas muito realistas. Não acreditamos piamente nisso, mas gostávamos, obviamente, que isso acontecesse. A não acontecer, penso que o principal objectivo é nós conseguirmos perpetuar esta situação que é poder estar a fazer discos, poder estar a dar concertos. Neste momento temos muita sorte em estar a poder fazer isto porque ainda estamos a estudar todos e felizmente também temos famílias que apoiam e permitem que isto aconteça, mas existe uma fase, na geração de uma banda, na criação de uma banda que é uma fase de investimento, que não dá propriamente lucro, que não te sustenta, mas que também dá um objectivo às coisas. Elas existem porque têm de existir, não existem porque apresentam retornos imediatos. No entanto, acho que isso era importante acontecer, mais tarde ou mais cedo.

Apresentam “Pesar o Sol” no Lux dia 6 e depois disso?

Vamos andar a tocar um bocadinho por todo o lado. Ainda não nos revelaram grande coisa dos planos que andam a ser feitos, mas vamos andar a tocar por aí, em sítios mais pequenos e noutros maiores, mas será certamente por aí.

Obrigada Tomás, por teres sido um espectáculo e desculpa a publicação tão tardia. Foi óptimo saber mais sobre a banda e adorei as referências literárias! 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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