Entrevista aos Dead Combo – “Se nos pedissem para compor um disco que reflectisse a essência dos Dead Combo, seria este” – A Bunch of Meninos

Quando se fala em Dead Combo, é impossível não associarmos o nome a um cenário em palco, um homem de chapéu e guitarra e outro com um contrabaixo. São o Tó Trips e o Pedro Gonçalves que se decidiram juntar há mais de dez anos e que vêem agora o seu sexto álbum editado. Alvo de uma atenção bastante mediática, A Bunch of Meninos tem sido elogiado por toda a comunicação social incluindo eu própria, que andei viciada durante dias inteiros em modo repeat. Surgiu então a oportunidade de estar com o Tó Trips e falarmos um pouco sobre este último álbum, recordarmos algumas histórias engraçadas e ainda constatarmos que quando se quer muito uma coisa, há que lutar por ela até a conseguir, demore o tempo que demorar.

Sentámo-nos num dos sofás da Casa Independente e comecei por lhe dar os parabéns pelo sucesso do A Bunch of Meninos, afinal agora até a vizinha dele já o reconhece depois de o ver na televisão (risos) “Para quem começou isto sem qualquer tipo de ambição, só mesmo pelo gosto de tocar, as coisas têm corrido bastante bem.

Voltámos então às origens e como surgiu a ideia do Tó se juntar ao Pedro e formarem os Dead Combo: “Tanto eu como o Pedro já tocávamos. Enquanto o Pedro veio mais do jazz, eu vim mais do rock. Ambos estávamos um bocado cansados, ele do ambiente do jazz e eu da dependência das bandas em que tocava. Entretanto gravei umas malhas sozinho e mostrei a algumas pessoas, uma delas o Henrique Amaro que depois me fez um convite para gravar uma delas num disco de homenagem ao Carlos Paredes. Como não queria gravar algo só com guitarra, mais tarde, quando encontrei o Pedro num concerto e lhe pedi boleia, como ele não tinha carro fomos a pé a conversar até ao Bairro e eu falei-lhe do convite. Perguntei-lhe se ele não queria ouvir a malha e juntar ali um contrabaixo. Mandei-lhe as coisas, ele ouviu, gravou e depois ouviu as outras e assim começou.

O nome Dead Combo acaba por vir de uma ideia que Tó Trips tinha em formar uma banda que na realidade não existia. Num dia tocava num sítio com uns convidados, noutro com outros e daí, desse conjunto de pessoas diferentes, que era quase um Combo, o conceito era meio fantasma, morto. “É esse o link de Dead Combo, um Combo Morto.

Outra característica deste duo é que quando se questiona que tipo de música é que fazem a resposta é imediata “É música com Lisboa lá dentro.“, e Tó Trips explica-nos porquê “Lisboa é uma cidade de mistura, de cruzamentos, de partidas e de chegadas, de saudades e memórias. Tem várias layers temporais, partes muito antigas, partes muito modernas, e é bastante cosmopolita. A música dos Dead Combo acaba por ser um pouco isso tudo.

Dez anos de estrada e seis álbuns depois, A Bunch of Meninos foi o álbum que mais atenções despertou e a justificação é simples “Se nos pedissem para compor um disco que reflectisse a essência dos Dead Combo, seria este. Foi um voltar às raízes, mas com dez anos de experiência. Foi o disco mais rápido a gravar e se nos outros discos questionávamos a falta de algo português, neste não houve dúvidas. Fomos objectivos e estávamos seguros do que queríamos. É um disco exemplar no sentido do que é ser Dead Combo. É um disco bastante ecléctico, tem muito rock, blues, fado, música africana, até tem um pouco de brasileira, quase como uma sopa. Que sopa é essa dos Dead Combo? É esta.

Os nomes das músicas são outra característica muito própria desta banda. Quando questionado sobre a origem desses nomes Tó Trips vai buscar o papel de personagens que têm assumido – o Gangster e o Cangalheiro – e que lhes permite criar uma distância como criadores: “Dá para brincar e ficcionar, mas mantendo sempre um pé na realidade. São sítios que existem, pessoas que existem, e então dá para jogar e brincar um pouco com isso. Nós também temos um lado que eu gosto, e que eu acho que também é preciso na vida, que é ter um certo humor. Levarmos a sério as coisas, mas sabermos rirmo-nos de nós próprios e de nos divertir com o trabalho que fazemos.

Waiting for Nick’s at Rick’s Cafe, por exemplo, vem do facto de Nick Cave ter quase participado no A Bunch of Meninos quando este esteve em Portugal. O contacto foi feito através do Artur Peixoto da Everything is New, que conhece o road manager do cantor que vive cá em Portugal, mas acabou por não se concretizar: “Mandámos a música, mandámos os poemas escolhidos de Alberto Caeiro, que iam ser declamados na música, e ficámos à espera. Não aconteceu, mas ficámos com uma música fixe na mesma e gostamos bastante dela.

Em relação a possíveis críticas sociais ou políticas nesses mesmos títulos, este é o primeiro álbum em que há algo parecido: “Nós arranjamos sempre uma história para cada disco, esta até foi o Pedro que a escreveu, que apesar de serem sempre ficção acabam por ter sempre um pouco de realidade nelas. Este tem esse link com esta realidade que vivemos hoje em dia e que é esse nome “A Bunch of Meninos” e a história de dois homens que fogem da sua cidade de uns bandidos que os andam a assaltar. Acaba por ser uma rapariga a salvá-los e a levá-los para um hotel. Ao acordar no dia seguinte eles já lá não estão. São personagens desgarradas e sem compromissos com ninguém.

Uma questão que colocavam muito no início dos Dead Combo era sobre a existência de um vocalista. Para os fãs e para os músicos, não existe essa necessidade “Primeiro fizemos uma jura de sermos só os dois e depois isto tem um lado livre, tanto tocamos com a orquestra, como podemos até fazer um disco com pessoas a cantar. Para nós a liberdade é algo importante, pelo menos sermos livres naquilo que gostamos de fazer. Sabemos que não tocamos em vários sítios por não termos vocalista, mas se calhar, e com todo o respeito, não nos interessa ir tocar a esses sítios.

Em termos de locais de actuação, a escolha é clara “Gostamos de actuar em espaços em que as pessoas estejam lá para nos ouvir. Desde que o palco tenha condições para montarmos o nosso cenário e fazermos o nosso espectáculo, qualquer lugar é bom. Costumo dizer que somos iguais tanto a actuar em Londres, como nos Estados Unidos ou no Barreiro, por exemplo. O cenário acaba por ser o mais importante pois vamos ali para fazer o nosso espectáculo. Estamos muito ligados à imagem. 

Os cenários são sempre característicos e para os montar utilizam uma equipa própria e vão mudando de disco para disco. “Desta vez usamos um altar com mistura de coisas mexicanas com portuguesas, temos uns pequenos filmes e uns quadros antigos. Desta vez até temos um momento acústico em que saímos das nossas posições, o que antes não acontecia.

Todos estes artefactos contribuem muito para a identidade Dead Combo, desde os personagens aos cenários, o que “para quem não conhece pode ser bastante estranho.” Isto acaba por ter as suas vantagens e desvantagens, mas certamente já trouxe episódios engraçados à banda e um deles foi numa actuação numa das salas da Ópera de Rennes, em França, em que quando lá chegaram, as cornetas que tinham para montar no palco estavam todas amolgadas “Chegámos lá e estivemos a martelar as cornetas e a endireitar aquilo tudo. Os técnicos olharam para nós como quem diz ‘Que ciganada é esta a martelar as cornetas?’ (risos). Estavam encostados a ver-nos a martelar aquilo tudo e no fim, quando viram aquilo tudo montado, ficaram ‘epaaaah’ (risos). O concerto correu bastante bem e no final vieram-nos dar os parabéns, não só pelo concerto como pelo cenário todo, que com tão pouco tinham feito algo tão bonito. Fiquei contente com isso e mais contente ainda porque quando chegámos parecíamos uns extra-terrestres.” 

Esta filosofia do “primeiro estranha-se, depois entranha-se” acaba por fazer parte da carreira dos Dead Combo: “Vivemos num mundo tão standard que é bom que hajam coisas destas.

Já tendo tocado em outras partes do mundo, Tó partilhou connosco uma das experiências mais marcantes que teve. O palco era num auditório em Budapeste, onde nunca tinham tocado, que se encontrava cheio, com cerca de 600 pessoas: “Ficámos muito admirados, pois supostamente não nos conheciam de lado nenhum. O que se passou foi que nessa cidade universitária, havia um gajo com um bar, que passava rock e coisas do género, e que tinha um disco nosso e que ia passando. O pessoal estudante que ia lá e ouvia, perguntava quem éramos e ele respondia ‘são os Dead Combo, uma banda portuguesa’. Quando souberam que íamos lá tocar, recebemos essa surpresa. Se calhar nem sabem onde é que é Portugal (risos) e encheram o auditório para ver estes dois cromos!

Deparada com esta experiência fora de Portugal, e dados todos os anos de música que Tó já leva na bagagem, quis saber qual era a sua opinião sobre o ser-se músico em Portugal. Que dificuldades existem e o que é que é preciso para se conseguir viver da música. “Apesar de antes já ganhar algum dinheiro com a música, só consigo fazer da música vida há cerca de quatro anos.” O músico explica-nos que quando começou na música não era essa a sua prioridade “nem acho que deva ser a dos miúdos que agora começam com bandas. Para mim a música era o meu recreio, a minha liberdade e o meu mundo, em que só entrava lá quem eu quisesse, um refúgio.” Trabalhou em publicidade durante doze anos e só depois desse tempo, por volta dos 35 anos, é que decidiu dar uma oportunidade a si mesmo de tentar viver daquilo que gostava de fazer – capas, músicas, posters Sempre gostei de todo o lado gráfico ligado à música. Não gosto daquelas pessoas mais velhas que se viram para os miúdos e dizem ‘se eu tivesse a tua idade o que eu não fazia’. Essas pessoas tiveram a sua oportunidade, não a aproveitaram porque não quiseram. Eu acredito que quando se quer algo tem que se trabalhar, tem que se lutar. Se tu queres tocar guitarra, tu tens de tocar guitarra todos os dias. Não adianta ter só jeito, um gajo tem de trabalhar, investigar, procurar. E isto não é só na música, é em tudo. 

O fascínio e a paixão com que Tó Trips fala da música carrega toda ela uma emoção e nostalgia muito genuínas. E é nesse tom que ele me responde quando lhe pergunto se tem algum conselho para músicos/bandas que estejam agora a dar os primeiros passos: “Primeiro que não pensem que vão fazer uma carreira da música (risos). Fazer música que gostem, criarem uma identidade própria, não seguirem modelos, de coisas que se fazem lá fora, por exemplo. É muito melhor terem algo a ver com eles próprios, que de alguma forma está relacionado com coisas dos seus dia-a-dias do que serem apenas uma cópia. Costumo dizer que há vantagens em viver aqui que não há em Nova Iorque e outras lá que não há aqui. Há que aproveitar essas coisas que são diferentes.

O tempo está a terminar e com ele vem a pergunta que liga a música à literatura e que é sobre que tipo de livro daria uma obra inspirada na música dos Dead Combo: “Para mim seria um livro de viagens ou  de histórias de bairros. Há pouco tempo li o livro Homer & Langley: A Novel, do  E.L. Doctorow, que é a história de dois irmãos, de uma família muito rica e que existiram mesmo em Nova Iorque, que foram acumulando lixo e mais lixo, recolhiam tudo e mais alguma, e às tantas o prédio foi a baixo. O livro é narrado pelo irmão que é cego, sendo que o outro era meio paranóico, e tem esse lado muito sensorial. O livro é fixe porque conta esse lado local, de rua, da vida desses dois irmãos, mas depois também espelha muito esse lado social do que era a América naquela altura.” 

O fim da entrevista chega e só posso agradecer ao Tó a simpatia, o à-vontade e a sinceridade com que me respondeu a todas as perguntas. É quando entrevistamos pessoas como Tó Trips que nos apercebemos o quão fácil é distinguir pessoas que realmente têm prazer, paixão e orgulho naquilo que fazem, das outras. Os Dead Combo são uma banda única, que não deve nada a ninguém a não ser a estes dois músicos fantásticos e a quem os acompanha. 

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susanista
susanista
10 anos atrás

Gosto tanto deste álbum !

  • Sobre

    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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