[Cinema] Opinião: Ex Machina, de Alex Garland

Pelo título do filme e estética do cartaz poderíamos achar que Ex Machina é um thriller de ficção científica banal. É algo mais especial do que isso, na verdade, e ao vermos o nome do realizador e argumentista, o britânico Alex Garland, não esperamos outra coisa – principalmente se nos lembrarmos que Garland escreveu, por exemplo, o acutilante 28 Dias Depois e o muito aceitável Nunca Me Deixes, a partir do distinto romance de Kazuo Ishiguro. Ex Machina partilha o coração com este último, ao serem ambos baseados em conceitos de pura ficção científica (inteligência artificial, neste caso, e clonagem, no Nunca Me Deixes), mas trabalhados com mais cérebro do que músculo, a partir de um ponto sensível e empático que é raro no género. 

O filme começa com Caleb, um jovem programador numa empresa que faz lembrar a Google, a ganhar uma lotaria – uma espécie de “bilhete dourado” para uma fábrica de chocolate – que lhe dá direito a passar uma semana com Nathan, o presidente deste alter-Google, génio absoluto e eremita, refugiado numa luxuosa mansão no meio das montanhas, inacessível. Quando lá chega, Caleb percebe que foi escolhido para efectuar o teste de Turing à mais recente e secretíssima invenção de Nathan: Ava, uma andróide dotada de inteligência artificial. Nos primeiros 15 minutos o filme fica, assim, mais-que-lançado.

O que se segue divide-se entre as sucessivas interacções entre Caleb e Ava, e entre este e Nathan, adensando um enredo que me escuso a desenvolver. Nada disto é fundamentalmente novo no cinema, e não tem de o ser, porque não deixa de causar boa impressão ao ser tão certeiro, uma tentativa de aspecto definitivo. Além disso, Ex Machina é hábil na forma como vai modificando aos poucos as premissas da narrativa, daquilo que está em jogo, servindo-se de um argumento bem construído, que consegue passar a sensação – habitual na melhor ficção científica – de que seria, à partida, impossível de ser escrito, ou pelo menos impossível de ser escrito de uma forma elegante, sem ser (muito) idiota. Ao vermos o Ex Machina, lembramo-nos facilmente do A.I. – Inteligência Artificial (que é algo idiota), do Blade Runner, e até do Frankenstein, mas principalmente do recente Her, embora este filme não seja tão charmoso e se foque mais nas possibilidades e na filosofia da tecnologia.

De resto, convém referir a ajuda das interpretações inspiradas, essenciais ao filme, e da banda sonora atmosférica de Ben Salisbury e Geoff Barrow (dos Portishead, este último), tão bela como ominosa. Ex Machina é no mínimo um entretenimento mais agradável do que o grau zero, se não negativo, habitual em empreitadas do género. Prefiro sempre o suspense clássico e refinado à acção acéfala, e a observação delicada e psicologicamente rica deste filme, além disso refrescante, à grandeza forçada de outros, e por isso o aconselho.

Ex Machina, que ainda está em exibição em cinemas portugueses, é um filme maduro e fascinante, que mantém sempre um nível agradável de discussão e especulação sobre o tema, sem entrar em preciosismos, preferindo trabalhar com ideias e com uma história cativante em vez do fogo-de-artifício habitual. Isso não impede, no entanto, que o filme seja visualmente rico e marcante, e até que utilize efeitos especiais q. b., mas estes são limitados a fins específicos e, em último caso, servem sempre a própria história, e não o contrário. Alex Garland, que já tinha escrito óptimos argumentos, estreia-se assim na realização – como se pretendesse ter mais controlo sobre a forma de contar a história que imaginou – e fá-lo com habilidade e subtileza, prometendo ser capaz de continuar a fazer bom cinema.

Emanuel Madalena

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