E agora, o que se segue? [Diário de Bordo LVIII] Sobre a Apresentação do “Desassossego da Liberdade”

Quis começar com esta foto, embora pudesse ter começado com o elenco completo ou qualquer outra, porque a primeira coisa que me vem à cabeça quando penso no passado sábado é: Gratidão. O Gil Cardoso apanhou, e muito bem, esta pequena pérola enquanto eu agradecia ao Miguel Reis (aka Tio Rex) pela sua presença e contributo neste dia tão especial. Mas o que é certo é que não é só ao Miguel que agradeço, mas a cada um dos presentes. De coração. 

Acho que, muitas vezes, quando as pessoas só vêem o resultado final não fazem ideia do processo todo para lá chegar. E este foi um processo longo. Com muitas alegrias pelo meio, mas também com (quase demasiados) dissabores. E porque este é o meu blogue e tenho liberdade para isso, vou-me estender um pouco mais do que o que fiz na apresentação onde não quis estar a colocar uma carga emocional demasiado intensa, embora emoção tenha sido a palavra de ordem do dia. 

Esta colectânea começou a ser idealizada há mais de um ano. Eu tinha-me reunido com o João Batista, editor da Livros de Ontem, e ele tinha-me convidado a fazer parte do programa Guest Bloguer onde pretendia valorizar o trabalho que todos nós fazemos de forma gratuita. O convite consistia em amadrinhar uma obra literária – escolher um autor e um manuscrito e ser editora convidada do livro. Ora, eu tenho um grande problema – que na verdade é sinal de sorte – que é ter criado laços e uma admiração muito fortes por uma boa parte dos autores que fui conhecendo ao longo do caminho. Andava a remoer, a remoer… 

Havia ainda outra questão. Há muito tempo que andava com estas três palavras na minha cabeça “Desassossego da Liberdade”. Tinha para mim que um dia se escrevesse uma obra teria este título. Só que a escrita não é um talento que eu possua, muito menos tempo para isso, e decidi partilhar este meu pequeno sonho com pessoas que me diziam alguma coisa. (Deixei muita gente de fora, eu sei.) Eu daria o mote, elas a sua escrita e eu poderia libertar, finalmente, esta ansiedade de existir algo com este cunho. Inspirada por Fernando Pessoa e pela minha própria vida – com o facto de me deparar constantemente com escolhas em que parece que tenho, ou não, de abdicar da minha liberdade – estas três palavras ganharam vida na mão de doze pessoas incríveis. Mas já lá vamos.

Comecei por partilhar este pequeno desassossego com o escritor Luís Miguel Rocha. Cúmplices de imensas ideias e projectos concretizados e por concretizar, chegámos à conclusão que poderia sair dali algo bonito. Seriam convidados autores que ou por se encaixarem no tema, ou por estarem completamente fora dele, me fazia sentido estarem presentes. Quanto mais não fosse pelo simbolismo pessoal. O Luís fazia parte desse leque, obviamente. Depois havia a questão de dar oportunidade a novos autores, coisa que não era uma novidade para mim. No ano anterior já tinha lançado um concurso de contos que tinha resultado numa obra literária editada por outra editora jovem. Criou-se então mais um concurso para cinco novos autores. A oportunidade destes partilharem o mesmo espaço com outros autores mais conhecidos, serviria como uma rampa de lançamento, mesmo que em evento único. Uns puxariam os outros e o que é certo é que a literatura portuguesa precisa de mais solidariedade e apoio entre escritores. Na minha cabeça o projecto fazia cada vez mais sentido.

Mas faltava algo. Sendo algo organizado por mim e espelhando um pouco daquilo que eu idealizo, mesmo que através da expressão dos convidados, faltava alguma irreverência, alguma inovação, principalmente no que toca ao cruzamento das diversas artes. Foi daí que surgiram os convidados especiais cuja arte principal é a música. O Guillermo de Llera eu conhecia por causa dos Primitive Reason, por quem tenho uma grande estima e carinho, e sabia que ele escrevia já algumas coisas. Li um pouco e achei que ele se encaixaria perfeitamente ali. E depois havia uma das pessoas que eu mais admirava no seio musical por todo o seu percurso – o Noiserv. Também começou como engenheiro electrotécnico no IST, mas a música acabou por falar mais alto e hoje em dia dedica-se-lhe a 100%. Não sei se conhecem o trabalho dele, mas é vasto e de um talento bastante único. Numa entrevista por causa dos 10 anos desde o seu primeiro concerto, falei-lhe do projecto. Sabia que ele tinha uma agenda descomunal, cheia de concertos e outras iniciativas, que o tempo era mais do que ocupado. Também lhe disse que tinha pensado em convidá-lo, mas que nunca o tinha feito por causa disso – íamos já em Novembro, se não me engano e os convites já tinham sido todos feitos bastante tempo antes. O que é certo é que ele ficou entusiasmado com a ideia e poucos dias depois a primeira versão do seu conto estava pronta, e que versão! Uma autêntica surpresa, ou não se considerarmos tudo o que tem feito, mas para a sua estreia no seio literário fiquei verdadeiramente orgulhosa. O Noiserv ia estrear-se na escrita através de uma iniciativa minha – YEAH! 

Eu sei, entusiasmo de criança e um nada infantil, mas todo este projecto é-me tão querido que o fui vivendo assim, como quem descobre o sol, o mar, o vento e a terra pela primeira vez. E ainda havia a questão da capa. Com todo o respeito por quem costuma tratar desses pormenores, também eu quis assumir essa parte e quem mais poderia escolher do que alguém cujo trabalho também me desassossega no bom sentido? O João Pedro Fonseca, desde que o conheci há quase ano e meio, tornou-se numa referência no meio artístico contemporâneo pela sua irreverência e pela sua visão do mundo. A harmonia terminava com ele a ser o autor do magnífico trabalho gráfico. 

Como nunca foi meu objectivo lucrar com qualquer iniciativa minha (todos os concertos que organizo, por exemplo, as receitas vão sempre totalmente para os artistas), decidi doar os direitos que me cabiam a uma Instituição sem Fins Lucrativos – a Burricadas, o Abrigo do Jumento. Conheci esta instituição através da banda Nobody’s Bizness que já antes tinha lançado um disco que revertia a favor desta causa. Comuniquei essa vontade aos autores e ao editor e todos quiseram dar a sua parte para esta causa! Estou ansiosa por ir visitar o burrinhos e os jumentos assim que tenhamos uma verba porreirinha para eles. E pronto, tudo se estava a encaminhar mais ou menos a bom ritmo. 

Em Dezembro o Luís esteve mal, bastante mal. Eu tinha acabado de apresentar O Cavalheiro Inglês, da Carla M. Soares (autora presente na colectânea), quando recebo uma mensagem de um familiar dele. De alguma forma as coisas, para mim, começaram a descambar por essa altura. A nível pessoal atravessei uma fase muito complicada que teve o seu pico na morte de um amigo meu de infância em Fevereiro e na morte do Luís, um dos meus melhores amigos, nem um mês depois. Também eu tive uma ida às urgências ainda em Fevereiro… Enfim! É verdade que para fora pouco transpareceu, tive o aniversário de grande sucesso no Musicbox, o aniversário no Maus Hábitos (Porto), etc. etc., mas sabem os deuses o resto. Não que me esteja a queixar, pelo contrário, mas fácil também não foi. O Luís nunca conseguiu acabar o seu conto. A pessoa que me ajudou a catapultar os maiores projectos do blogue até então, a que mais me tinha apoiado e dado a sua amizade, tinha desaparecido. Talvez vocês achem ridículo, mas quando finalmente me vi com os livros nas mãos desatei a chorar. Esperava-se o rejubilo e o orgulho, mas assomou-me uma tristeza enorme, misturada com a sensação de incompletude. 

Por muito frio que possa soar, a verdade é que a vida continua e haviam pelo menos seis estreias na literatura portuguesa (os cinco novos autores e o David “Noiserv” Santos) e também por eles tinha de seguir em frente e tratar de terminar de forma bonita o que tinha começado. O apoio incondicional dos autores convidados foi essencial. Veio então a questão da apresentação e quem já me vai acompanhando sabe que eu gosto muito pouco de coisas “by the book”. As apresentações formais de palcos com mesas e microfones, distantes dos leitores, etc. etc., embora as faça enquanto apresentadora convidada, não são algo que me deixe confortável. Lembrei-me então d’O Bom, o Mau e o Vilão, espaço que visitei aquando da apresentação da Revista Gerador #2, e a partir daí as coisas seguiram o rumo que lhes quis dar. A editora deu-me total liberdade e pus mãos à obra. Convidei o Tio Rex, cujo trabalho admiro muito, para abrir o final de tarde com meia dúzia das suas lindas canções, convidei todos os autores que pudessem estar presentes e ainda, ninguém sabia, preparei uma série de petiscos para o convívio final. 

Às 19h15, hora de início do evento, a sala que nos tinha sido concedida estava cheia, com pessoas de pé e ainda pessoas fora dela. Por muito que achem que não, eu fico ridiculamente nervosa a cada vez que tenho que assumir o papel de protagonista. Quando enfrento as pessoas a minha cabeça parece que esvazia e eu esqueço-me de tudo o que possa ter pensado ou preparado. Ok, não fiquem desiludidos, mas eu já não consigo preparar nada, sai tudo de improviso. E com isso acaba sempre por me escapar alguma coisa, muitas vezes importante, mas acho que não me safei demasiado mal. A última música do Tio fez com que eu me pusesse à prova de forma brutal (a música chama-se O Que o Tempo Destrói e fala sobre a morte e sobre o tempo passado sem essas pessoas), as lágrimas vieram-me aos olhos, o coração disparou e era como se de repente tudo aquilo que sempre tentei calar me viesse gritar aos ouvidos. As saudades, tudo. Bem sei que não foi planeado, nem o Miguel faz ideia disto que vos estou a contar (na verdade não o disse a ninguém). Entre exercícios de respiração e uma resistência férrea, após terminada a canção espetei um sorriso no rosto e enfrentei os leitores presentes. 

Dei primeiro voz aos novos escritores em que cada um falou da sua experiência perante esta colectânea. Motivações, emoções, tudo. O testemunho do Eduardo, em particular, não querendo desvalorizar os outros, claro, foi bastante eloquente e fez até com que algumas pessoas se emocionassem. Foi com muito orgulho que os ouvi, só faltou a Cláudia, e é uma honra ter uma colectânea com pessoas tão valorosas. E depois os meus queridos amigos de longa viagem, a Carla, o Nuno, o David e o Samuel. Sou uma sortuda por conhecê-los e partilhar com eles estes meus sonhos. O Manuel Jorge Marmelo e o Pedro Medina Ribeiro não puderam estar presentes, com muita pena minha, mas ainda assim foi uma tarde muito bonita. O João Batista também falou da editora, do processo de crescimento e do gosto que foi partilhar este projecto connosco. 

Estamos todos de parabéns. Principalmente todos aqueles que nos ajudaram no crowdfunding. Sei que ficaram para último, mas os últimos também são os primeiros no sentido que sem vocês nunca teria existido colectânea. E o statement foi forte, ultrapassámos em boa medida o que foi pedido. E pronto, apresentação terminada chegaram mais abraços, mais sorrisos, autógrafos e comidinha boa. 

Quero fazer aqui um grande destaque para uma pessoa que foi invisível para toda a gente a tarde toda, mas que sem ela eu não teria conseguido ter nem a força nem a disposição que tive. A minha querida amiga Rita Levy foi completamente incansável. Fui ter com ela ao início da tarde, fomos às compras, cozinhámos a tarde toda e foi ela que tratou de toda a distribuição e apresentação da comida enquanto eu andava de um lado para o outro. Quero também deixar um beijinho gigante e um abraço forte à Telma, colega e amiga do INESC, que na véspera, estando eu já em pânico, fez questão de fazer alguns brigadeiros e Guacamole para dessa forma estar presente na apresentação, já que não ia estar em Lisboa no fim-de-semana. Obrigada às duas, as minhas mais recentes companheiras de aventuras profissionais e académicas, mas que estão sempre prontas a ajudarem-me no que eu precisar fora desse meio.

E é por estas pequenas coisas que eu sei que sou uma rapariga (a tentar ser mulher) muito sortuda. A vida pode dar muitas chapadas, podem surgir contratempos, mas tem existido sempre alguém, mesmo que de forma mais ou menos inesperada, que me tem dado a mão e ajudado a levantar a cabeça. 

Provavelmente estou-me a esquecer de mil pormenores, mas quem lá esteve poderá falar da sua experiência. Este é um mero relato bastante pessoal e que vem fechar as comemorações do 6º aniversário. Sim, porque esta iniciativa começou por ser uma comemoração de mais um ano de blogue. 

Não sei o que me trará o futuro. Termino este processo de sorriso no rosto e algumas lágrimas no coração, mas também acho que talvez possa estar na altura de pousar um pouco a cabeça para mais tarde regressar com mais força. Eu adoro o que faço, tenho a sorte de poder partilhar isso com imensas pessoas talentosas, e palavras como “fazes bem às pessoas”, como me disseram no Sábado da parte de quem mais admiramos, ajudam-nos a acalentar nova motivação e novos projectos – a seu tempo. 

Despeço-me com um muito obrigada a todos os que estiveram presentes, a todos os que mesmo longe estiveram connosco e em especial ao Gil Cardoso por ter registado alguns dos melhores momentos! 

Um grande beijinho a todos, até breve.

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Paulo Freixinho
Paulo Freixinho
8 anos atrás

Não consegui estar presente, o tempo anda escasso, tentarei no próximo aniversário.
Parabéns pelos seis anos de blogue e continuação do bom trabalho.
Osculinhos
😉

  • Sobre

    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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