Entrevista a :papercutz, Banda Portuguesa – O Novo Disco “King Ruiner” sai a 27 de Novembro

Fotografia Christelle De Castro

Facebook: https://www.facebook.com/papercutz/

Bandcamp: https://papercutz.bandcamp.com/

Olá Bruno, queres-nos falar um pouco sobre ti antes de criares :papercutz? (Como foi o teu percurso, gostos e hobbies até então)

Penso que nunca tinha respondido a uma pergunta bem assim… sem ir muito atrás mas como ajuda a contextualizar, um adolescente normal do Porto, sendo que a educação que tanto eu e os meus irmãos tivemos (sou o mais velho de três) passou por nos dedicarmos a algumas actividades que gostávamos desde cedo e de uma forma séria. Eu fui atleta natação, tive aulas de Inglês e de informática e a música era o meu hobbie. Isso colocou em mim um sentido de disciplina que ainda hoje em dia uso. Mas a música servia também de escape a tudo isso. Além de que era uma forma de conhecer novos amigos ainda numa altura em que havia muitos concertos underground pela Invicta. Ao criar uma banda de garagem acabas por fazer parte desse circuito rapidamente. Com o tempo, a música tornou-se algo mais sério, mas continuo a gostar de todas estas outras áreas e algumas delas tem me sido úteis no decorrer dos meus dias. Aliás a minha formação universitária é em Engenharia Informática. Infelizmente não descobri forma de ligar essa componente à música de uma forma profissional ou poderia ter sido o caminho que teria seguido. Quando terminei a Universidade ainda cheguei a exercer, como programador e professor, mas comecei a ter a possibilidade de poder seguir a música como carreira, sound design e mais tarde compositor e é isso que tenho feito desde então.

Como é que surge a ideia de criares este projecto?

Suponho que tal como aconteceu com outros músicos, fazia parte de uma banda de garagem que chegou mesmo a editar alguns registos, e com concertos ao vivo, mas sentia a necessidade de uma exploração pessoal da música eletrónica. A ideia inicial era simplesmente explorar temas que misturavam a pop e a eletrónica, com timbres mais refinados dos que os praticava na altura e pelos quais comecei a sentir alguma curiosidade. Como tive uma boa receptividade neste caminho e em que me sentia mais realizado, decidi continuar e dedicar-me musicalmente apenas a :papercutz. 

Sendo um projecto com uma componente muito forte de música electrónica, tenho curiosidade: também todas as tuas maiores influências são deste género musical?

Não, de todo. Aliás penso que isso acaba por ser notório em :papercutz, por exemplo gosto bastante de música instrumental clássica minimal, basta ouvir algum dos motivos de temas instrumentais ou até arranjos em outros vocais, tenho uma paixão pelo Blues que acabou por se tornar mais clara em algumas melodias deste mais recente álbum (Blues do deserto como Ali Farka Touré), nota-se o gosto por géneros mais extremos em alguns sons negros e agressivos, entre muitos outros géneros. Como tive a sorte de viver os meus tempo de Universidade numa casa em que acomodava vários gostos musicais, nunca senti a partir dai, algo que não fosse um apelo por ouvir música fora da minha zona de conforto.

Tudo começa contigo e em ti, mas ao longo do tempo outras pessoas se têm juntado e colaborado contigo. Guia-nos um pouco sobre esta história de :papercutz, que já conta com quase 10 anos.

O que começou com um trabalho a solo evoluiu de forma a incluir a participação de outros músicos, com quem tenho tido a sorte de trabalhar. Esses músicos normalmente estão associados a respectivos álbuns e concertos de apresentação. Já trabalhei com várias vocalistas, guitarristas, teclistas, percussionistas, até mesmo com um quarteto de cordas e metais com quem toquei alguns concertos ao vivo e estão presentes no registo anterior, ‘The Blur Between Us’. Além disso já partilhei estúdios com engenheiros e produtores distintos, alguns nacionais e outros estrangeiros. E tenho ainda os técnicos responsáveis pelo nosso som nos concertos ao vivo. Com todos eles há sempre, uma pré-produção, uma ligação pessoal e várias conversas saudavelmente agarridas para que se mantenha um trabalho coeso. Depois existe uma questão recorrente que é entregar as canções para serem trabalhadas por outros artistas que admiro, num formato de remisturas e cujo resultados são alguns dos E.P.s ou até um álbum especial que foi editado, uma versão interpretativa da quase totalidade dos temas da edição  de estreia de nome ‘Lylac’. As letras também tem sido partilhadas com alguns escritores convidados e a componente visual passa por uma troca de ideias com a Susana Maia que é uma espécie de directora artística porque ou desenvolve a imagem e comunicação ou convida pessoas externas ao projecto para tal. Ou seja apesar de passar tudo por mim, é realmente um produto de várias mãos.

O que é que para ti sempre foi essencial na composição dos temas e na construção de uma identidade singular?

Em parte isso o que mencionas, ter uma identidade própria mas apresentar um trabalho e uma visão cujas pessoas, com algum tempo, possam compreender e rever-se nele através dos seus gostos musicais e da sua experiência de vida. Em termos de arranjos isso passa por trabalhar um formato canção ou descontruí-lo em termos instrumentais, e na parte lírica, eu inspiro-me na minha experiência, na de conhecidos, filmes ou livros que gosto, o que se traduz numa mensagem quasi-universal.

Cada trabalho acaba por ter uma espécie de “missão” no que transmite?

Cada álbum tem um conceito, uma história e até uma narrativa, e os temas e letras servem esse fim. A única missão é poder criar uma obra com algum significado para quem a conhecer, o mesmo que eu sinto com outros trabalhos e que me moldaram como artista e até mesmo como indivíduo. Mas se as pessoas quiserem ouvir a música de uma forma totalmente descomplexada, não vejo nada contra, aliás são essas camadas que tornam o universo pop, até o mais aventureiro, rico e interessante.

Todas as edições até agora lançadas têm edições físicas com grafias muito cuidadas. A estética é essencial ou complementar? (ou ambas 😊 )

A estética é complementar. O que é essencial é que não desvirtue a música e idealmente lance novas interpretações dos temas ou do som que representa. É por isso que temos muito cuidado nas escolhas que fazemos ou com quem desenvolvemos essa parte. Fico contente de vários mencionarem isso que dizes.

Achei fascinante o facto de :papercutz estar representado no Japão. Estive lá a viver algum tempo, recentemente, e achei um país com uma cultura muito difícil para quem vem de fora. Como é que se deu essa relação com o Japão e qual o teu balanço sobre o mesmo?

É verdade, e tenho assistido ao facto de se estarem a fechar cada vez mais para a sua produção interna apenas. Eles acabaram por incorporar influências externas e está-se a tornar difícil que tenham procura por músicos externos que pretendam ter algum espaço no mercado deles que é um dos maiores (em termos de ouvintes) de todo o mundo. É um cultura pela qual tenho grande admiração e espero que não se fechem de todo. Fomos contactados por uma pequena editora Tóquio, a Kilk, para a edição do ‘The Blur Between Us’ e vamos continuar a trabalhar com eles no novo álbum. Eles tem alguém que se dedica apenas a assinar artistas estrangeiros e não somos o primeiros com quem trabalham da Europa. Infelizmente não conseguimos ir tocar lá na altura apresentação do álbum porque os custos são altos e apesar de termos aparecido em algumas rádios e revistas decidimos em conjunto esperar um pouco mais até criar mais ouvintes interessados em vir aos concertos e que já possam conhecer alguma da nossa discografia, não só um ou outro tema. A editora está a preparar alguns concertos em pequenas salas espectáculos em Tóquio (uma delas é inclusive deles a ‘Hisomine’) e arredores para Primavera de 2018, mas ainda é cedo para afirmar se será possível. Tudo vai depender de como o novo álbum será recebido.  

Em termos de currículo, podemos dizer que tens um invejável. Eurosonic, SXSW (em dose repetida), Estados Unidos, entre outros. Como é que estas oportunidades surgiram? Achas que tem sido mais fácil proliferares lá fora do que em Portugal?

Maioritariamente são convites que nos são feitos ou propostas de agentes com que trabalhamos. Daí não termos muitas datas em formato tour, um certo comodismo talvez mas uma vez tendo essas condições e com algum impacto no resto da nossa trajectória nunca nos fez muito sentido simplesmente alugar uma carrinha e contactar pequenos espaços fora de Portugal na esperança que algo de muito significativo possa acontecer. Mas admiro quem o faça. Sim, acho que teria sido mais fácil, mas também penso que alguma da vontade e persistência que tenho pode advir do facto de ter feito tudo a partir de Portugal. 

Sentes que o facto de teres actuado em festivais como o Eurosonic e SXSW te proporcionou oportunidades que de outra maneira não terias?

Não é de todo obrigatório participar nesses eventos, mas no nosso caso faz algum sentido porque temos pessoas interessadas no que fazemos fora de Portugal, um facto constante desde o primeiro álbum, e se acreditamos no que fazemos então temos de ir de encontro a agentes que possibilitem um dia estarmos num palco à frente desses interessados ou que estes possam ter acesso ou ouvir falar do nosso trabalho. E isso aconteceu connosco em termos de concertos e edições.

Tens alguma memória de alguma experiência que te tenha marcado especialmente?

Eu não ligo muito a prémios porque a sua natureza num contexto musical é algo estranho, mas logo no início dos nossos concertos ao vivo, a nossa editora na altura submeteu a música do álbum estreia para um festival da indústria e acabamos por ganhar um prémio e ir tocar a Londres, com criticas positivas de radialistas da BBC e da XFM  o que na altura fez-me acreditar que tínhamos algo diferente para oferecer.

E chegando agora ao presente, que balanço fazes da participação no Red Bull Music Academy?

Foi uma experiência bastante particular porque tive contacto com produtores de vários cantos do mundo, com uma paixão equivalente à minha pelo que fazem, sendo que muitos deles estão neste momento como eu, a lançar novos trabalhos ou em palcos espalhadas um pouco por todo lado, e durante algum tempo pudemos partilhar ideias e composição. Ainda hoje em dia estou em contacto com alguns e ajudamo-nos em decisões criativas e outras mais técnicas. Isto claro fora o contacto e aprendizagem que tive com formadores como Flying Lotus e Four Tet ou de oradores como Eno. Foram tempos ricos e interessantes que ainda hoje em dia vou processando.

O novo disco está para breve. O que podemos esperar dele e que datas é que já podem anunciar?

Para conhecer este álbum o ideal é virem a um concerto nosso. O álbum é rico em harmonias corais, melodias exóticas por sintetizadores e guitarra, percussão tribal, batidas electrónicas e acho que é o nosso registo que melhor se traduz ao vivo até ao momento. Aliás, ele nasce muito da experiência que tenho tido em concertos e estúdio com a Catarina, a vocalista de ‘King Ruiner’. Quanto às datas, pelo facto de estarmos a tratar cada concerto de uma forma especial, penso que as pessoas já perceberam o porquê de irmos anunciando uma de cada vez. O nosso próximo concerto é em casa, no Porto 6 de Outubro no Plano B. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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