[Reportagem] Peter Evans Ensemble: clássicos de um futuro possível, por João Morales

Fotografia José Frade

Peter Evans esteve em Lisboa com um novo projecto. Sete músicos, muita electrónica e a habitual capacidade imperativa de experimentar. Escutámos um som potente para uma orquestração dos nossos dias.


João Morales

Véspera de Dia de Todos os Santos e Noite das Bruxas. Conjugação perfeita para uma música onde a relação entre os protagonistas se mostrou eficaz sem que a sua capacidade de surpreender e subverter fosse ofuscada. Desta vez num conjunto de sete músicos, apresentou-se esta Terça-feira o já bem conhecido trompetista Peter Evans, trazendo ao Teatro Municipal Maria Matos, em Lisboa, o seu projecto “Action / Metempsychosis”.

A prestação começou com a voz da violinista Mazz Swift (um dos dois músicos acrescentados ao quinteto que tem acompanhado Evans nos tempos mais recentes juntamente), ecoando influências de alguma Meredith Monk ou, mais distante, Patty Waters. Os restantes elementos vão entrando nesta marcha lenta mas incisiva. 

Rapidamente percebemos que a electrónica vai ter um papel axial em toda esta estrutura (lá mais para o final, haverá mesmo um momento em que Peter Evans se coloca num dos extremos do palco, observando, Mazz Swift acocorada ao centro, enquanto o manto sonoro que invade a sala é quase exclusivamente tecido por elementos sintéticos). Pouco depois, o dueto entre o piano de Ron Stabinsky e a percussão digital de Levy Lorenzo (excelente prestação, de um músico tão reconhecido pelas suas qualidades de percussionista, como de designer de soluções interactivas para obras de arte sonoras, como a que já executou para Alvin Lucier). Numa passagem, Lorenzo (o segundo acrescento ao já referido quinteto habitual de Evans) explora a percussão com um fundo de sintetizador que faz lembrar o japonês Stomu Yamashta, no longínquo 1971 de Red Buddha. Sam Pluta, o homem do laptop, também trocou “galhardetes” com o baterista, o veterano Jim Black (que bem conhecemos do trio com Carlos Bica, mas também de prestações várias com Tim Berne, Uri Caine, Dave Douglas ou Hank Roberts).

Peter Evans vai funcionando em torno dos seus músicos como uma sombra aglutinadora, justificando a liderança de tempos a tempos. Quer com o auxílio de efeitos, quer numa forma mais despojada, o domínio do trompete é invejável. Swift funciona como um ajudante de campo nesta campanha militarizada. Acompanha as incursões do instrumento de sopro (em frases curtas, mas incisivas), solidariza-se na maioria das vezes, recolhe-se quando é tempo de erguer o inequívoco estandarte de comando. Tom Blancarte, num contrabaixo electrificado, acaba por ser o mais discreto em palco, embora sempre presente (sugere-se como complemento a descoberta do seu projecto Sweet Banditry, uma incursão entre o noise a improvisação com a vocalista dinamarquesa Louise Dam Eckardt Jensen e o baterista David Shea, que integra um outro projecto de Peter Evans, os Mostly Other People do the Killing).

Uma boa parte da improvisação a que pudemos assistir prende-se com a exploração de sonoridades, texturas, profundidades, formas de conjugação entre os instrumentistas. Em certa medida, o que Peter Evans ensaia com este projecto é uma concepção de orquestração, uma apropriação da evolução da designada Música Contemporânea do século XX, mesclada com a elasticidade que o Jazz lhe permite, para nos devolver esse cruzamento em forma de uma nova hipótese, sem qualquer dúvida, actual e actualizada.

É reconfortante que um músico como este, já habitual em palcos portugueses, integrando ou liderando distintas formações (e até mesmo em solo absoluto), continue a ter cartas na manga para jogadas de elevado risco e vitória contundente. O Jazz nunca soube ficar muito tempo no mesmo lugar, explorando todos os territórios. Nenhum lhe foi vedado. Por isso, Peter Evans está na vanguarda do Jazz, neste início do século XXI. 

Fotografia José Frade
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