Opinião: Na Memória dos Roxinóis, de Filipa Martins

Na Memória dos Roxinóis

Filipa Martins

Editora: Quetzal

Sinopse: «Jorge Rousinol nem sempre foi Jorge Rousinol. Até 5 de agosto de 1945, era o Sete, um número primo.» É assim que começa a história da vida de Jorge Rousinol, um matemático galego que sempre defendeu o poder do esquecimento como o melhor instrumento para a tomada de decisões. Porém – estranha decisão para quem nunca quis recordar –, no final da  vida encomenda uma biografia para perpetuar as suas descobertas, as suas desilusões e as suas pequenas glórias. O biógrafo escolhido acaba por ser alguém com quem privara décadas antes e que se vê, ele próprio, envolvido em memórias que hão de surpreender o leitor. Um romance em três tempos (o do passado do biografado, o do passado do biógrafo e o do presente que os une) que confirma a escrita fantástica, inesperada e inovadora de Filipa Martins com a leveza e a rara sensualidade que atravessa a vida destas personagens.

OPINIÃO: Na Memória dos Rouxinóis é o quarto romance de Filipa Martins, mas apenas o segundo que me passa pelas mãos. Lembro-me perfeitamente de sensação com que acabei Mustang Branco – uma espécie de assombro e admiração. Ao entrar nesta sua mais recente obra, já tinha em mente que Filipa Martins “é um caso sério” da literatura portuguesa e este romance reforçou essa mesma impressão. Desde o seu início que o livro nos toma de assalto. Seja pela teoria base, em que o esquecimento é tido como a melhor arma para tomar decisões, seja por termos um casal homossexual na trama principal, característica que não tem sido assim tão explorada na nossa literatura. Forte e carismática, a narrativa de Na Memória dos Rouxinóis deixa ecos e debates no nosso interior que permanecem bem vivos semanas após termos terminado a leitura.

Sempre que iniciamos uma leitura, à partida já sabemos se foi escrito por uma mulher ou por um homem através do nome do autor, que podemos ou não reconhecer. Mesmo que não soubéssemos, quem é que nunca sentiu que certo livro só poderia ter sido escrito por um ou homem ou por uma mulher? Já se perguntaram que marcadores é que acabam por distinguir as duas narrativas? Pergunto isto porque se me apresentassem este livro sem identificação de quem o escreveu, eu provavelmente não saberia dizer se teria sido homem ou mulher. Talvez pendesse os 51% para o lado masculino e é este 1% que acaba por distinguir, pelo menos na minha opinião, Filipa Martins. Na Memória dos Rouxinóis não é um romance convencional, mas toca em vários aspectos do quotidiano comum. A vida em casal, a vida em juventude, em velhice, a vida pessoal, a vida profissional, as escolhas que fazemos e as que deixamos por fazer. Mistura teorias científicas, matemática, computação e condição humana. Riqueza e diversidade de interesses é coisa que não falta neste romance.

Não sendo o mais fácil dos romances, é uma obra em que vale a pena mergulhar e navegar com a devida calma para não se perder nenhum pormenor. É contada em três saltos temporais, sendo necessária alguma concentração para nos enquadrarmos no devido tempo e cenário. Mas toda esta “exigência” vale a pena e é compensada com uma linguagem eloquente, directa e provocadora. Resumindo, e relançando o mote, o que é que leva uma pessoa que sempre defendeu a teoria do esquecimento a querer, de repente, a sua biografia registada e publicada? Em que momento das nossas vidas é que o medo de sermos esquecidos nos invade? E porquê? Será que temos noção que muitas das decisões que tomamos no dia-a-dia é porque, pelo menos por momentos, esquecemos que certas coisas já nos aconteceram? Como referi no início desta opinião, são vários os ecos que esta obra deixa em nós e estas perguntas são perguntas que hoje em dia chego a discutir com colegas. Sendo eu das ciências informáticas, existem modelos de aprendizagem e de simulação que se baseiam puramente no presente e, no máximo, na iteração anterior. Ou seja, baseiam-se no esquecimento do passado para aprenderem o melhor passo seguinte. Curioso, não? Obrigada, Filipa Martins, por este contributo tão especial e único para a literatura portuguesa. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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