Entrevista a Memória de Peixe, Banda Portuguesa

Aqui há uns meses, os Memória de Peixe foram protagonistas de uma noite no Musicbox,  no festival Jameson Urban Routes que também contou com os Future Islands, e eu tive a oportunidade de conversar um bocadinho com o Miguel Nicolau, o fundador dos Memória de Peixe, banda que tem como característica principal a forma como constrói a sua música baseada em loops, com bateria e guitarra. O primeiro disco foi lançado no final de Maio de 2012 e o próximo disco está aí a sair, portanto vamos lá conhecer melhor o início deste projecto e as perspectivas futuras.

Como já tem sido habitual, e porque o público aqui do blogue é bastante diversificado e muitas vezes ainda não conhece as bandas que vou apresentando, perguntei ao Miguel como é que a música tinha entrado na sua vida e como é que surge Memória de Peixe: «São duas histórias diferentes. (risos) A música entrar na minha vida remete para a minha infância, de estar a comer papa com o meu pai a dar-me à boca e a tocar guitarra ao mesmo tempo. Sempre tive esse contacto com a música desde puto, mas oficialmente esta só entrou na minha vida aos dez anos, foi quando tive vontade. Uma coisa que eu acho que é importante nos miúdos quando querem aprender e perceber o que é que é a música, é não serem impingidos. A partir do momento em que tal é impingido isso passa a obrigação, tens que levar trabalho para casa, etc. Não estou a criticar, também depende dos instrumentos, mas acho que em miúdos deve ser didáctico e divertido, quando por vezes ainda é um bocado conservador. Eu tive essa forma de ensino que foi de não me impingirem nada – estão ali as guitarras, estão ali as colunas e as músicas – e eu peguei por interesse e dura até hoje. A guitarra acompanha-me desde os dez até hoje, vinte e oito. É uma relação de amor! (risos)»

O fascínio pelos loops veio mais tarde: «Foi quando eu tinha vinte e anos e estava noutros projectos mais pop e a trabalhar com outros artistas. Comecei a explorar a ferramenta e descobri que aquilo tinha potencial, ou pelo menos eu interessava-me em fazer alguma coisa com aquilo. E foi por aí, estive envolvido numa escola de música, a Berkeley, em que fiz um vídeo para eles onde acabei por fazer uma cena com um loop, que foi gravado no hotel Fontana, e daí nasce uma música, feita de improviso, que acaba por ser a primeira de Memória.» Os Memória de Peixe surgiram a partir dessa música, só com guitarra e depois veio então o Nuno Oliveira para a bateria: «Já éramos amigos há muito tempo e convidei-o para se juntar a mim. Foi um processo de dois anos a aprimorar como é que fazíamos uma cena de loops sem que as pessoas ficassem à espera que a música fosse construída durante sete minutos, queríamos fazer canções. Foi um desafio e todo esse processo de aprendizagem. O próprio disco é o resultado de toda essa experimentação e a fórmula foi mais ou menos encontrada (risos).»

O disco homónimo acabou por resultar numa carta de apresentação da banda: «Acabou por ser reflexo daquilo que andávamos a fazer e a explorar. Gostamos de muitos mundos, um bocadinho de tudo, e acho que o disco reflecte isso, reflecte um bocadinho de todas as influências que ouvimos. Este primeiro disco é mais terreno, ou seja, tens ali duas músicas mais diferentes, a DayJob e a NightJob, mas o resto é tudo a puxar para a frente, é rock. A música em si não é lírica, no sentido de não tem letra, que é aquilo que nós maioritariamente fazemos, tens apenas ali duas excepções, é música instrumental. Antes da voz, antes da cultura pop toda, ligava-se muito mais à musica sem ter voz, como a música clássica, como o jazz, etc. Há lirismo nisso não tendo letra, não tendo letra deixamo-nos um bocado ir e a DayJob e NightJob são temas que acabámos por explorar mais.»

Entretanto o Nuno saiu e entrou o Marco, tendo como consequência que enquanto que o primeiro disco teve essa onda mais de descoberta e até experimental, o segundo disco que vem aí promete ser naturalmente diferente: «Este próximo disco vai ser diferente, claro, a entrada do Marco também contribui para isso. Vai ser muito mais conceptual – qual é o tema?, qual é o conceito?, o que é que há nesta canção específica? Vamos ter algumas surpresas neste próximo disco que vão muito por aí.» As razões dessa diferença são simples: «Nunca acontece o “temos de fazer diferente”. A partir do momento em que tens uma personalidade diferente dos outros já estás a fazer diferente. A não ser que queiras copiar, aí nunca vais fazer diferente. Agora se quiseres ser tu, é só isso, não é procurar a diferença é acreditares. Gostas, fazes. Nós temos muitas influências muito próximas, eu e o Marco, e acabámos por nos encontrar por esse imaginário que nós gostamos. Desde o sci-fi ao cinema francês, de tudo. Às tantas acabamos a ver os mesmos filmes e “olha, isto deu-me uma ideia para não sei quê”, às vezes até temos ideia para um vídeo e construímos a canção para esse vídeo sem ainda haver vídeo. É um conceito que andamos a por em prática para o próximo disco.»

Uma das coisas que acabou por me fascinar em Memória de Peixe, para além da música, foi todo o trabalho artístico e imagético. Se por um lado pergunta-se muito pelas influências musicais, quis saber mais sobre o que é que eles valorizavam na construção de cada trabalho: «Nós gostamos de desenho, por exemplo a capa do primeiro disco foi desenhada por um amigo nosso porque nós gostamos muito do trabalho dele. Os vídeos têm ilustrações porque nós gostamos que as músicas tenham capas, não só o disco, mas também as músicas terem capas. Queremos pintar as músicas com vídeos que tenham algum interesse, explorá-las conceptualmente, como foi o caso da 7/4 – como é que nós damos a entender às pessoas que não sabem o que é um loop, de uma forma gira e didáctica, o que é um loop? Foi daí que nasceu esse vídeo. Nós gostamos sempre de pensar nos dois lados. Normalmente, o que acontece, e não está errado, é delegares isso em alguém. Neste caso, tendo eu algum background na área de audiovisuais, sempre que fazia vídeos para outras bandas, pensava nisso – não fazer o típico vídeo de banda a tocar, embora houvesse muitas que queriam isso, mas procurar coisas diferentes. Não me querendo comparar é uma espécie de escala pequena em relação a Michel Gondry, a todo o tipo de imaginário. Neste próximo disco vamos muito mais por aí.»

Fazendo um balanço da receptividade ao projecto: «Não sei se podíamos ter alcançado mais gente, mas foi uma surpresa este disco ter chegado à quantidade de pessoas que chegou e de várias faixas etárias. A verdade é que não sei a quantas pessoas é que chegamos. Tu tens likes no Facebook, tens números de visualizações nos vídeos, é impossível contabilizar. Se tens a casa cheia ou não é que acaba por dizer alguma coisa e nós ainda não estamos aí (risos), é a única coisa que consigo dizer. Mas o que eu acho é que temos de continuar a fazer discos porque gostamos, e isso nós fazemos, sem pensar se temos mais ou menos fãs. E se nós estivermos contentes com eles, pelo menos a nossa parte está feita.» 

Tendo este lado mais instrumental e, lá está, não tendo aquela receita comercial que rapidamente ganha hype desmesurado, perguntei ao Miguel como andava a ser a entrada nas rádios e a recepção da comunicação social: «Foi uma grande surpresa quando começaram a passar temas sem voz na Antena 3 e noutras rádios. A Radar e a Vodafone já têm por hábito fazer isso, mas a Antena 3 é uma rádio nacional em que não é costume e vimos alguns temas a passarem. Mas é por causa disso, porque acreditamos na música. O facto de as rádios principais, ou mais comerciais, só pegarem nos temas que têm voz também é uma consequência daquilo que temos andado a viver – tudo tem voz, tudo tem que ter três minutos, um formato certo, etc. – e acabas por estar envolvido neste mercado, nesse bolo, e nunca fazes aquilo que realmente queres. E eu acho que é isso que nos diferencia, nós temos uma ideia daquilo que queremos e queremos ser fiéis àquilo que nós somos. Se isso implicar, por exemplo, fazer um disco que não tem voz e que não preenche as categorias x e y, etc., paciência, nós acreditamos. Não vamos estar a fazer música para agradar a um nicho específico ou com estratégias de mercado. Acho que é uma preocupação que as bandas devem ter na parte de imagem, muito importante, porque dá essa carta, essa visibilidade à banda. E se o conceito for interessante e a ideia for boa, há ali um conjunto de coisas que a destaca. A música tem que chegar às pessoas, claro, mas eu acho que as pessoas também são inteligentes e que sabem aquilo que querem ouvir.»

Passámos a um lado mais informal e fazendo trocadilho com o nome pedi uma ou outra memória que realmente tivesse marcado já este projecto: «Aconteceram coisas boas e coisas esquisitas, como deixar a guitarra num centro comercial, no Colombo, onde tivemos um concerto na FNAC. Deixei a guitarra na porta, carregámos tudo e a guitarra ficou à frente do Colombo, em Benfica, sem ninguém. Íamos a caminho de casa quando me lembrei. Voltámos para trás, a guitarra já não estava lá e estava a polícia, com walkie talkies, a falar com a Brigada de Minas e armadilhas porque o estojo da minha guitarra é rectangular, não se parece com a forma de uma guitarra, e então eles não sabiam o que era aquilo e já tinham chamado a Brigada de Minas e Armadilhas. E nós fomos lá: “não, não, não” (risos) e eles lá cancelaram aquilo tudo. A nível de concertos e festivais, principalmente os primeiros, foram muito importantes. O Milhões de Festa foi muito especial, estávamos habituados a tocar em sítios pequeninos e tínhamos Riding Pânico a dar grande concerto antes de nós, a partilhar o palco com Filho da Mãe e uma data de pessoal brutal, que nós gostamos muito, e a seguir somos atirados para os lobos (risos). Foi fantástico, um grande momento. Agora com o Marco também fomos às ilhas, a Inglaterra, e estas últimas viagens têm-nos surpreendido muito porque temos encontrado muitas pessoas com o mesmo mindset que nós.»

Estando Portugal a atravessar uma fase em que aparecem muitos projectos, nos mais diferentes géneros, e em tom de conclusão, perguntei ao Marco o que é que ele achava mais importante que estes projectos novos seguissem: «Sendo mesmo muito sincero, é continuarem a fazer aquilo que estão a fazer. As bandas que tenho visto aparecerem novas estão a fazer aquilo que eu acho que é certo que é fazem aquilo que querem, acreditam naquilo, têm óptima imagem, têm vídeos bons… São pessoas que se dão bem umas com as outras, e eu acho que isso é fundamental, darmo-nos bem e estarmos todos na mesma onda. Também é importante conseguirmos ganhar algo com isto monetariamente, mas temos de fazer as coisas com amor. É isso que acaba por fazer a diferença.»

___

Antes de mais quero agradecer ao Miguel por aquele fim de tarde no Musicbox antes do concerto do Jameson Urban Routes e também dizer que ainda bem que o próximo disco está mesmo aí a chegar que assim esta entrevista serve quase como antevisão, dado o tempo que, infelizmente e por coisas da vida, não consegui transcrever mais cedo. Deixo-vos com os links para o facebook e bandcamp.

Facebook Memória de Peixe

https://www.facebook.com/memoriadepeixe

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on pinterest
Share on whatsapp
Subscrever
Notificar-me de
guest

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
  • Sobre

    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

    Subscritores do blog

    Recebe notificação dos novos conteúdos e partilhas exclusivas. Faz parte da nossa Comunidade!

    Categorias do Blog

    Leituras da Sofia

    Apneia
    tagged: currently-reading
    A Curse of Roses
    tagged: currently-reading

    goodreads.com

    2022 Reading Challenge

    2022 Reading Challenge
    Sofia has read 7 books toward her goal of 24 books.
    hide