Vamos Viver a Aldeia V – A Primeira Experiência no Festival Bons Sons

2015 fica marcado pela primeira vez que fui Viver a Aldeia na sua plenitude. Embora o festival já tenha alguns anos, só o ano passado é que descobri o conceito do Bons Sons e só este ano é que tive a verdadeira oportunidade e disponibilidade de o poder explorar. E a verdade é que agora, quando me sento em frente ao computador para começar a falar sobre esses quatro dias, a tarefa de vos transmitir o que ali foi vivido parece ingrata. Há tanto por onde explorar, tanto que acabou por ser vivido, que o que podia ser fácil partilhar acaba por se tornar um tanto quanto emocional e as palavras certas parecem fugir, qual rio com corrente forte.

Penso que um artigo sobre o Bons Sons dificilmente será completo. É que este é um festival de música portuguesa, mas como disse o Tio Rex ontem, e muito bem, “este é um festival português por portugueses e para portugueses”. Isto acaba por dizer muita coisa que à primeira vista poderia escapar. Sendo na aldeia de Cem Soldos e sem fins lucrativos, esta é uma iniciativa que dinamiza toda a sua população, desde os mais pequeninos aos mais vividos (recuso-me a chamar idosos, pois a energia daquela gente é notável) e todo o ambiente é familiar. A simpatia e o entusiasmo foram uma constante, não havia local que percorrêssemos que não tivesse sorrisos ou uma amena cavaqueira! 

Começando pelo derradeiro início! Foi pouco depois das 10h da manhã que eu e o Eugénio rumámos a Cem Soldos, na nossa estreia no Festival Bons Sons. Apresentações feitas ao ambiente de imprensa, fomos pousar as nossas coisas no campismo. Acabámos no ponto mais alto – afinal fazer exercício faz bem! – e as condições com que nos deparámos não eram más, mas sei que podem ser melhoradas. Nunca houve problemas em ir às casas de banho – que pecam por serem daquelas das obras – nem em tomar banho – com chuveiros semi-privativos e o belo chuveiro ao ar livre. Quem está habituado a acampar certamente não verá qualquer dificuldade adicional ao que já poderá estar habituado. Não faltou animação próxima a cada noite que chegávamos à tenda, mas acabava por ter a sua piada e mesmo assim foi possível descansar tranquilamente. Podemos dizer que a nível de campismo deparámo-nos sempre com bom ambiente, o que ajuda a quem conhece o festival pela primeira vez.

Voltando ao início da tarde do primeiro dia, muitas emoções estavam ainda para ser vividas. Como nos atrasámos um pouco a montar tudo no campismo, perdemos Sampladélicos, mas estivemos na primeira fila para Éme, Benjamim, Júlio Resende, Riding Pânico, Manel Cruz e Xinobi (formato djset). Não deu para vermos todos, apesar de o Eugénio ter conseguido ainda tirar algumas fotografias a outros conjuntos (podem ver aqui), mas estes foram concertos muito especiais. Principalmente Benjamim e Júlio Resende. No fundo acho que aquele coreto tinha algo de muito especial. Não que os outros palcos não fossem bons, não tivessem sido a sede de vários concertos extraordinários, mas o ambiente intimista que havia a cada concerto naquele palco tornava cada actuação única. 

No caso do Benjamim tivemos a apresentação do seu disco, que sai brevemente, Auto-Radio. Se por um lado toda a gente começou sentada, é certo que terminou tudo de pé e com uma série de aplausos. Luís Nunes tem trazido consigo um conjunto de músicas em português que contêm bastante de si e das pessoas que passam pela sua vida. Não é que Walter Benjamin tenha sido esquecido, mas a verdade é que este Benjamim chega em boa hora, fresco, bem disposto e contagiante! Júlio Resende, que nunca tinha tido oportunidade de ver ao vivo, foi uma experiência muito pessoal. O concerto em piano e os pequenos momentos de percussão, desafiando até o fado a contrapôr-se ao estigma do clássico, permitiu que cada um pudesse fechar os olhos, deixando assim o som vibrar dentro de nós. Foi muito bonito.

A noite esteve entregue aos já experientes Riding Pânico que seja onde for, em que palco for, conseguem ter sempre uma energia e uma entrega hipnóticas. É claro que foi um concerto de sucesso e não foi raro ouvir alguns fãs a comentarem que gostavam de coisas novas para breve! Seguiu-se Manel Cruz que vem tocando temas originais juntamente com alguns de outros projectos dos quais já fez parte, como Super Nada, Foge Foge Bandido e Pluto. Já o tinha visto no Primavera, mas acho, sinceramente, que este foi muito melhor. Os músicos estiveram melhor (mesmo sem que o Manel Cruz tivesse conseguido despir a camisola como já é a sua imagem de marca – estava mesmo frio!), o público esteve mais ao rubro… Não sei, dizem que em Cem Soldos tudo é melhor… Ou mais especial! Acredito que existam vários casos assim! A madrugada inicou-se com Xinobi que conseguiu ter centenas de pessoas até altas horas a dançar ao som que passava. Bruno Cardoso é um músico que admiro imenso e mesmo quando não está “live” é das pessoas com mais bom gosto e sucesso a fazer djset. Será necessário e engraçado comentar que também vários elementos da vila ainda andavam acordados pelas 4h da manhã… Provavelmente, mesmo se quisessem ir dormir para casa não conseguiriam! 

Depois de um mini concerto perto da tenda e de umas horinhas de sono, zombies lá tomamos um banhinho fresquinho e seguimos novamente rumo à vila. Entre as latas de atum, milho, cogumelos, etc. etc. no que a enlatados diz respeito, lá fomos variando e experimentando algumas tasquinhas e tendas do dito recinto em tom de aldeia. Foram caracóis, sopas, pizzas e mais algumas iguarias, mas onde eu e o Eugénio acabámos por comer mais foi no BioEscolha. As tostas de tofu fumado eram divinais, mas também os pratos vegetarianos tinham sempre óptimo aspecto e ainda chegámos a provar um ou outro. Para vegetarianos é perfeito, mas também tinham um hambúrguer de vaca que também foi aprovado pelo meu companheiro nesta aventura. No que à bebida diz respeito, era bonito ver toda a gente com as canecas dos festivais ou então com os copos reutilizáveis que traziam uma fita consigo para os podermos trazer de forma prática e cómoda, sempre à mão! Víamos pouca gente a usar copos de plástico e a deitá-los para o chão, o que também reforça a imagem de sustentabilidade pela qual o festival é conhecido. Tirando a cerveja tradicional, foi muito bom provar a charolinha! Tanto a branca como a tinta! Fresquinha sabia mesmo bem!

Gastronomia à parte, voltemos à música. O segundo dia foi marcado por algumas iniciativas, uma delas foi a entrevista com os Salto que antecedeu o início do nosso dia de concertos. A conversa com eles será brevemente publicada, mas fica o registado que eles são uns porreiros, malta bem humilde e apaixonada, tendo sido um gosto poder falar com eles um pouco melhor sobre a sua música. A meio da entrevista ainda contámos com a breve passagem a trocar saudações dos nossos André Tentúgal, Vera Marmelo e Noiserv! Como esteve recheada de gente boa, aquela aldeia Cem Soldos! Terminada a entrevista seguimos para ouvir a harmoniosa Minta! A zona perto da igreja estava completamente apinhada de pessoas, todas rendidas às melodias belíssimas do duo Minta & The Book Trout! Sem dúvida que temos vozes femininas muito bonitas no nosso país! Entre Minta e os restantes concertos tive a oportunidade de entrevistar o artista Carlão, uma das grandes referências do hip hop português. Com o seu disco Quarenta lançado há pouco tempo, aproveitei a boleia do Paulo Homem de Melo, da Glam Magazine, e em conjunto pudemos conversar um pouco com ele e sobre essa experiência já falei aqui e acho que devia ler sobre a mesma! Grande pessoa!

A noite trouxe com ela os OCO, os Clã, o Carlão e ainda os Salto! Nunca tinha visto OCO, mas gostei bastante da experiência. A base electrónica tem muita qualidade e a reprodução sonora de cada um dos restantes instrumentos esteve bastante sincronizada provocando um certo alheamento do que nos rodeava para apenas sentirmos a música. Tanto Carlão como os Clã arrasaram mediante o público que tinham, claramente as pessoas que estavam em cada um dos palcos sabiam ao que iam e a exaltação tomava conta de cada um. Quero deixar nota, em particular, sobre a actuação de Carlão que me surpreendeu pela sinceridade, pela ousadia e pela provocação saudável ao muito que pode estar errado tanto entre uma pessoa e si mesma, como com o sistema que nos rodeia. Já os Salto sofreram um pouco com os atrasos desse dia e com a hora a que começaram a tocar, perto das 3h da manhã. Ainda assim, muito bem estiveram eles, cheios de energia contagiante, sendo que o Guilherme – vocalista – soube usar muito bem da sua entrega para puxar pelo público! Como o Luís fazia anos, ainda houve surpresa final – nada de piñatas, mas antes crowdsurfing do mesmo! Bem bonito!

O terceiro dia não foi excepção do que toca a bons concertos! Aliás, falar de maus concertos no Bons Sons quase soa a piada de mau gosto pois sinceramente não vi nenhum. Mas assisti a muitas estreias e o terceiro dia foi a vez de ver pela primeira vez Duquesa! Primeiro sozinho e depois com banda completa, o concerto foi bem bonito e é um projecto que quero continuar a seguir. O destaque seguinte vai para os D’Alva que deram, claramente, um dos melhores concertos do coreto! Pelo menos o mais electrizante e dançante foi. Em formato reduzido, a banda colocou imediatamente toda a gente de pé, a dançar do princípio ao fim e aplausos e gritos fervorosos não faltaram. Mesmo tendo o disco há pouco mais de um ano, são já uns autênticos monstros em palco, no bom sentido claro, e ninguém lhes fica indiferente – quer pensem que gostem ou não. Penso que ficará não só na memória deles como na do festival. Ainda fomos uns privilegiados pois pudemos ouvir aquele que será provavelmente o single de um próximo disco – aprovadíssimo! Foi muito bom, deu para matar saudades, trocar abraços e tirar umas fotos catitas. Aliás, nunca houve um festival onde eu tivesse estado com tanta gente boa e tivesse tirado tantas fotos em tom de recordação como em Cem Soldos. É isso, somem pontos ao festival que ele merece, até porque tal como eu matei saudades, também todos os fãs que quisessem podiam falar com os artistas!

A noite ficou marcada pelos concertos de Trêsporcento, Bruno Pernadas e Nice Weather for Ducks. Os primeiros souberam afugentar a chuva e segurar os fãs, tendo sido compensados com fotografias belíssimas por causa do efeito da chuva. Foi um concerto sólido e que cativou quem nunca os tinha visto. Bruno Pernadas foi igual a ele mesmo – pouca interacção, perfeição técnica e vocal, o disco tocado sem sobressaltos e o público estava calmo e contemplador. Os Nice Weather for Ducks, apesar de jovens sabem bem como partir a loiça toda. Já têm alguns anos disto e mesmo estando numa fase de transição e de evolução para um disco novo, souberam balançar bem os temas antigos e sabidos de cor com temas novos, havendo ainda espaço para uma cover de David Fonseca que, não me levem a mal, praticamente supera a original! Tenho gostado muito de os acompanhar e foi o melhor concerto que vi deles.

Chegado o último dia a saudades já começava a apertar, mas foi tempo de arrumar tudo – levantar as tendas, levar tudo para o carro – e seguir rumo aos últimos concertos. Por questões pessoais não pudemos ficar até ao último concerto, mas os poucos que vimos naquele Domingo valeram totalmente a pena. O primeiro foi o Tio Rex, dentro da igreja, em que no fim as pessoas automaticamente, sem incentivo por parte dos músicos, se colocou de pé a aplaudir, muitos de lágrimas nos olhos. Eu sei que eu as tinha! E que foi um esforço enorme contê-las. Foi um concerto lindíssimo do início ao fim. A dedicação, e genuinidade deste projecto, despe toda a gente de preconceitos e é fácil rendermo-nos à ternura partilhada. As Golden Slumbers juntaram-se as suas vozes maravilhosas em duas músicas (uma do Tio Rex e outra delas com participação do Tio Rex) e no final o balanço geral era que este tinha sido um dos concertos mais bonitos de todo o Bons Sons. Eu tenho a certeza que sim, mas sou suspeita, já sigo o trabalho do Miguel há quase um ano, mas já devia seguir há mais!

Não perdoando na programação, o Bons Sons tinha um formato que eu ainda não tinha visto de Tó Trips à nossa espera. Com companheiro na percussão, a viagem pelo seu mais recente Guitarra Makaka foi bastante pungente, oscilando entre momentos mais intimistas e outros de maior participação do público a marcar compasso. Para mim o Tó é único com a guitarra, seja ela de que tipo for, e a demonstração no Bons Sons provou e comprovou o seu talento e génio. Apesar de termos passado por outros concertos, poderão ver algumas imagens nos posts das foto reportagens, o último destaque deste dia vai para os peixe:avião, outra banda portuguesa cheia de talento e que teve o ambiente certo para soltar o seu talento. É uma daquelas bandas que interage muito pouco, mas que a música acaba por falar por si e por compensar.

Foi tempo de rumar a casa, já em balanço do que correu bem e mal a nível pessoal e dei por mim a conversar com o Eugénio e a fazermos planos já para o próximo ano, do género “para o ano isto, para o ano aquilo”. Mas afinal vamos para o ano? Pois, parece que vontade não falta! Peço-vos desculpa pelo post super longo, por não ter feito relatos diários, mas com a diferença de temperaturas do primeiro dia (levem sempre agasalhos quentinhos!) acabei por adoecer e como era a primeira vez que estava a viver a aldeia, achei que seria mais proveitoso absorver a experiência como um todo e no fim transmitir-vos o que senti. Tenho que dar os parabéns à organização do Bons Sons, ao super homem que foi o Luís Ferreira, aproveitando para confirmar que tenho três amores, tal como ele tinha previsto há uns meses! O Festival Bons Sons fecha o trio dos meus festivais de música portugueses, juntando-se assim a Paredes de Coura e ao NOS Primavera Sound. Não tem nada a ver com estes dois, verdade, aliás, no que toca à música portuguesa é o melhor de todos, mas como cada um é único, não quero fazer comparações. Posso é afirmar com convicção que para quem quer uma experiência diferente, bastante humana e recheada de música portuguesa, este é o vosso festival. Porque depois existe tudo o resto, o merchandising personalizado, as caras sorridentes que nos recebem onde quer que vamos, é toda uma vivência muita única em que o contacto humano reina.

Despeço-me dizendo que ainda vou fazer um especial retratos, pois como que fui montando uma caderneta de gente cheia de talento e de quem gosto imenso. Não tirei fotos por tirar, só porque os artistas são conhecidos ou um fixolas, mas sim porque os admiro e respeito mesmo muito. Achei que foram momentos muito bonitos e que raramente são proporcionados noutros concertos ou festivais. E, claro, os momentos com os meus amigos que tanto deram que rir como gora provocam nostalgia! Será esse o post de encerramento do Bons Sons, mas entretanto marquem na vossa agenda aquele fim-de-semana de Agosto do próximo ano, pois não se vão arrepender! Por fim quero agradecer publicamente ao meu afilhado, Eugénio, por ter sido o companheiro ideal desta aventura e por ter tirado fotografias tão boas! Brevemente também ele dará a sua visão do festival. Se quiserem ir ao Instagram procurem pela hashtag #BonsSons que de certeza que encontram ainda mais registos bons!

Vamos Viver a Aldeia I: http://www.branmorrighan.com/2015/08/vamos-viver-aldeia-i-caminho-do-bons.html

Vamos Viver a Aldeia II: http://www.branmorrighan.com/2015/08/vamos-viver-aldeia-ii-esta-tudo.html

Vamos Viver a Aldeia III: http://www.branmorrighan.com/2015/08/vamos-viver-aldeia-iii-aquele-que.html

Vamos Viver a Aldeia IV: http://www.branmorrighan.com/2015/08/vamos-viver-aldeia-iii-chegada-casa.html

Foto Reportagem Dia 1: http://www.branmorrighan.com/2015/08/foto-reportagem-bons-sons-concertos-dia.html

Foto Reportagem Dia 2: http://www.branmorrighan.com/2015/08/foto-reportagem-bons-sons-concertos-dia_20.html

Foto Reportagem Dia 3: http://www.branmorrighan.com/2015/08/foto-reportagem-bons-sons-concertos-dia_21.html

Foto Reportagem Dia 4: http://www.branmorrighan.com/2015/08/foto-reportagem-bons-sons-concertos-dia_22.html

Todas as fotografias do festival, aqui: https://www.flickr.com/photos/theawesomege/sets/72157657364387261/

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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