Entrevista a Simão Palmeirim Costa, Músico Português

Cheguei até ao Simão através da promoção desta 2ª edição do Magafest, mas já antes havia ouvido falar de outros projectos seus, o mais recente em power-trio com não simão. Enquanto que esse trio actuou no Magafest do 2014, este ano Simão apresenta-se sozinho, com canções adaptadas à sua interpretação pessoal com a guitarra como sua companheira. Estivemos à conversa n’A Vizinha na Bica e eis o resultado.

Sendo a primeira vez que falamos para o blogue, conta-nos um bocadinho sobre ti. Como é que a música entrou na tua vida?

O meu percurso é nas Belas Artes. Eu fiz Escultura nas Belas Artes e fui-me dedicando sempre às Artes Plásticas e depois fui fazer o Mestrado lá fora (Londres) e ainda estou a fazer um Doutoramento nas Belas Artes, em Ciências da Pintura Portuguesa Antiga. Mas a música foi sempre sendo um paralelo inevitável. Comecei com os amigos, como quase toda a gente. Jantaradas, copos, música brasileira, muita Bossa Nova, e depois quis aprender a tocar guitarra, porque eu gostava muito de cantar as bossinhas. Então fui aprendendo a tocar guitarra para poder acompanhar e depois comecei a perceber que a guitarra me dava a possibilidade de fazer coisas novas, de compor. Então comecei a fazer as minhas músicas muito num registo de cantautor e depois fui tendo vontade de explorar aquilo de maneiras diferentes. Tive alguns projectos, mas tudo num registo bastante acústico com os amigos. Depois quis lançar aquilo para uma postura um bocadinho mais Rock, ter assim uma bateria e umas guitarradas. Fiz-me acompanhar do José Anjo, na bateria, do Pedro Fernandes no baixo e temos não simão (trio) que se estreou no MagaFest 2014 e que tem tido alguma projecção. Temos tido muitos concertos aqui em Lisboa, num ano já demos uma pancada de concertos, um ou dois festivais – o Festival do Silêncio e o Festival Trampolim – e tem corrido tudo muito bem. Queremos gravar agora, talvez até ao fim do ano, e enquanto isto está a acontecer, tive este desafio da Inês para mostrar as minhas canções a solo que é bocadinho como voltar às raízes.

Começando pelo trio não simão, o que é que as pessoas podem esperar desse teu projecto?

Podem esperar um power trio, portanto Rock, mas com raízes de cantautor. São canções transformadas em power trio, são canções que agora têm um som bastante diferente e nós tentamos bastante puxar por esse som. Não temos raízes experimentais, também não vamos buscar ao Jazz, temos laivos de Funk, muito por causa do baixista e temos laivos de tudo aquilo que nos é mais querido. Se quiseres, podes ouvir ali bocadinho que parecem Ornatos Violeta, depois ali bocadinhos que parecem Jorge Palma ou José Mário. Eu costumo dizer que as nossas canções andam ali a dançar entre o intimismo e o optimismo.

As músicas são todas compostas por ti ou fazem-no em conjunto? O que é que influencia na composição?

As canções levo normalmente já feitas, isto é, tens a melodia, tens a letra, tens a sequência de acordes e depois, claro, nós exploramos aquilo. É inevitável quando queres trabalhar com outras pessoas dares esse espaço para trabalhar, senão também não tem interesse nenhum. Isso é uma das coisas que na música mais me atrai, é precisamente trocar informações e brincar. Nunca discutimos muito sobre “Ah! Faz uma linha de baixo! Ah! Red Hot Chilli Peppers! Ou faz aquele ritmo de bateria do não sei quê!” Não estamos preocupados com isso, estamos preocupados em respeitar o máximo a vontade da própria canção e enaltecê-la da melhor maneira dentro daquele grupo. Agora começamos a compor também coisas já os três, às vezes mesmo sem letra. Eu dou muita importância à palavra, mas como estou com eles e, às vezes, apetece-nos explorar um instrumental, exploramos e eu também gosto. As nossas influências não são claras no sentido de tentarmos mimetizar nada. Não estamos muito preocupados com isso. Por isso, também às vezes é difícil definir o som, porque é orgânico, é o que for saindo.

Dada essa importância que dás às letras, o é que gostas de explorar? Que temas é que gostas de abordar?

As letras são, na grande maioria, narrativas. São pequenas histórias que eu construo. Algumas são super literais, algumas são tiradas ponto a ponto de experiências minhas. Basta sair e descer a rua que há alguma coisa que acontece e que inspire a fazer, seja o que for, ou uma viagem de barco, ou o amor, claro, os desencontros. Acho que muitas as letras têm a ver com o desencontro e aí não é só no sentido amoroso, é também no sentido de falta de comunicação ou compreensão… Portanto, muitas são, literalmente, tiradas da minha vida e colocadas no papel e muitas são histórias simplesmente inventadas. Tu vês uma velhinha à janela e apetece-te fazer uma canção sobre uma velhinha à janela e vais por aí a fora. Desde que consigas transformar aquilo num poema, numa mensagem que é interessante, acho que vale tudo a pena e vale tudo, ponto.

A título de curiosidade, lês muito? Também gostas de ir beber à literatura e à poesia? Ou o escrever é uma actividade isolada dessas tuas experiências?

É. Eu escrevo, claro, mas escrevo em segredo, isto é, eu não mostro nada do que escrevo (risos), porque não tenho confiança para isso. O que escrevo para as músicas, escrevo com as próprias músicas, o processo criativo normalmente é… Gostas de um acorde ou vês uma cara ou vês um objecto e encontras o som certo para aquele objecto e depois vais para o acorde seguinte e aquilo traz-te uma palavra diferente. Depois vais construindo a partir daí. O que escrevo é mais seco, é mais íntimo e fica nos cardeninhos que estão nas prateleiras. (risos)

Mas tens referências de escritores ou autores que te tenham marcado?

Tenho com certeza. Temos todos, mas não posso dizer que tenha para a música. Há bocadinhos imaginários kafkianos ou pessoanos, mas acho perigoso fazer esse paralelismo. Como te disse, as canções são feitas de forma quase espontânea do ponto de vista da letra e de uma forma que quer autonomia. Quero-me dedicar só àquela história ou só aquela ideia. Às vezes pode vir até de uma pintura. Temos uma música que saiu agora nos Novos Talentos Fnac 2015 que se chama Sendo Dados que é uma peça do Marcelo Gouchan e aquilo é uma descrição, se quiseres, a letra daquela música é a descrição de como uma pessoa experiencia aquela obra. Agora dizer que isso tem um fundo literário evidente, é difícil.

E sem ser para a música, a título pessoal? Sabes que por aqui no Morrighan existe sempre essa curiosidade em saber o que é que os artistas lêem nos tempos livres.

Tenho, claro. Gosto muitos dos russos, Dostoiévski, já falei em Kafka, li Nietzsche com o maior prazer. Portugueses tens Fernando Pessoa, sou absoluto fã de Herberto Helder, até mais da prosa do que a poesia, se é que não é muito arriscado dizer isto. Infelizmente também por causa do academismo tenho que ler muito, mas nada literário. (risos) Vou lendo, sempre que posso, autores portugueses, mas também gosto muito dos americanos, o Steinbeck é uma das referências mais interessantes, o Hemingway também, leio de tudo, acho eu.

Voltando à música e às MagaSessions, a razão do Magafest existir, como é que foi a experiência com não simão nessa MagaSession?

Foi uma experiência interessante até porque tivemos que mudar um bocadinho o registo. A bateria não era um set completo, o baixo não usava distorções, a própria guitarra, eu estava a usar uma guitarra acústica e não eléctrica. Portanto fizemos uma adaptação para apartamento. Foi muito interessante e, entretanto, já fizemos dois ou três concertos nesse registo no Jardim da Estrela e no Festival Trampolim e é muito interessante, mas também gostamos muito de tocar no Music Box e no Sabotage, como já fizemos, para explorar o som.

Em relação ao teu projecto pessoal – Simão – o que é que estar sozinho com a guitarra te permite explorar que em trio não é possível?

Permite-me ser muito mais pausado. Permite-me explorar os tempos das canções de forma muito mais autónoma e muito mais minha. Posso perfeitamente arrastar indeterminadamente um tempo ou uma linha de voz ou uma coisa qualquer e depois recuperar… As canções tornam-se um bocadinho mais plásticas, no sentido do tempo que elas têm e permite-me também cantar de uma forma mais tranquila. Não é tranquila no sentido de estar mais à vontade, é mais baixo, num registo mais grave. Quando estás a projectar por cima de uma bateria tens tendência a subir uma oitava e a gritar e a ir para a frente. Quando estás sozinho com uma guitarra tens tendência a falar em sussurro. Então as coisas tornam-se todas mais suaves, muito mais leves. Ao mesmo tempo, no ponto de vista do alinhamento e da selecção de músicas vai ser uma coisa mais triste assumidamente, mais intimista, mais calma. Nós temos umas canções que são claramente de gozo e quase de piada que aqui vão desaparecer e vão ficar só as coisas mais intimas.

Fotografia Graça Ezequiel

Quem for ao MagaFest, o que é que pode esperar do teu concerto?

Pode esperar a voz… Quero explorar a voz ao máximo. Tenho uma pequena loop station onde faço harmonizações de voz à medida que vou construindo a canção. Portanto, pode esperar refrões que de repente tem várias vozes, momentos quase só de voz e uma guitarra que tenta humildemente ir dando cor às letras.

E o futuro, o que é que reserva? A nível financeiro, achas que te poderá dar algum conforto?

O futuro é incerto, e ainda bem. Vou acabar o doutoramento agora, mas a bolsa já acabou, portanto, estou desempregado, sem dinheiro, como todos nós ou quase… Não faço a mínima ideia o que é que o futuro reserva. O que eu quero é, como disse, gravar. Essa é uma das prioridades com não simão. Com Simão começar dar concertos, sim, sem dúvida e ver o que é que aí advém em termos financeiros, mas olha que acho que daí não advirá nada. (risos) Vou ter que arranjar um trabalho e ponto final e, se calhar, ter um doutoramento e ter que servir à mesa! (risos) Não faço ideia! Quero dar concertos e tocar, tocar, tocar! O lançamento do disco de não simão poderá ajudar nisso. Pode, claro. E irmos tocar aí por Portugal a fora, nós já demos muitos concertos, mas só em Lisboa e ainda só temos um ano de vida. Ainda temos muito por explorar e queremos ir tocar por todo o lado.

E de ti, Simão? Também queres gravar ou vais só andar, para já, a tocar?

Vamos devagar. Isto vai ser o primeiro concerto a solo com alguma projecção. Portanto, outros virão, espero que sim. Acho que é o tipo de coisa que vai ser interessante gravar, eventualmente sim, mas, se calhar, quase sem ser em estúdio, só em lives, só em concertos, só em experiências assim íntimas e calmas. Gostava de gravar assim num registo bastante diferente como não simão, acho eu, vamos ver.

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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