[Diário de Bordo, Samuel Pimenta] Eu Pertenço

Eu pertenço

Aqui na aldeia os agricultores e os pastores continuam a acordar cedo para cuidar dos terrenos e do gado, a água continua a correr pelas ribeiras e levadas e os gatos continuam a estirar-se preguiçosamente ao sol. A vida avança como sempre avançou. Como as condições climatéricas têm estado mais favoráveis, decidi organizar-me de forma a escrever de manhã, passar a tarde na rua e voltar a escrever à noite. Aproveitei as tardes para rever alguns lugares importantes para o projecto e para encontrar-me com outros lugares que ainda não conhecia, para que o meu conhecimento da região seja o mais abrangente possível. Foi também nesta semana que ouvi mais histórias sobre a aldeia.

As histórias que tenho ouvido são das mais diversas, mas ilustrativas de como se vive aqui. Há uma certa mística nos lugares, mas também um grande sentido prático e de utilidade das coisas. É por isso que há histórias que permanecem desde tempos remotos, por serem úteis à manutenção da memória e, por isso, da vida. Uma aldeia como esta, cujos habitantes têm vindo a diminuir de ano para ano, só consegue manter a autenticidade e persistir pelas histórias que a povoam, pois são as histórias que estabelecem os elos e são os elos que estabelecem as comunidades e são as comunidades que permitem nova vida, lembrando a tradição dos ancestrais. A forma generosa e entusiasta com que me foram dadas as histórias, algo tão precioso, tão vital, ficar-me-á gravada para sempre na memória. Dar histórias assim é como um ritual iniciático, é como se também eu passasse, efectivamente, a fazer parte deste lugar. Eu pertenço, é essa a sensação.

Foi a minha última semana na aldeia, agora é tempo de regressar ao Ribatejo e terminar o projecto com tudo o que levo daqui. E é tanto o que levo daqui! Depois da minha partida, pouco mudará na aldeia. Os agricultores e os pastores continuarão a acordar cedo para cuidar dos terrenos e do gado, a água continuará a correr pelas ribeiras e levadas e os gatos continuarão a estirar-se preguiçosamente ao sol. É assim desde que Pinheiro é Pinheiro. É assim que deve continuar a ser. 

Pinheiro (Carregal do Sal), 30 de Janeiro de 2016 – 22h12m

Samuel Pimenta

Entradas anteriores: http://goo.gl/In1ZIi

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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