Opinião: Cheio de Vida, de John Fante

Cheio de Vida

John Fante

Editora: Alfaguara

Sinopse: Entre a ficção e a autobiografia, Cheio de Vida é contado na primeira pessoa por uma personagem chamada John Fante. O narrador é americano de ascendência italiana a viver em Los Angeles com a sua mulher, Joyce, que está grávida.

Ao longo da gravidez, John vai acompanhando e relatando as drásticas mudanças de humor da mulher, o seu interesse crescente pela igreja católica (de que o próprio John já se tinha afastado) e a infestação de térmitas em sua casa. Tudo isto vem complicar ainda mais a já problemática relação de John com o pai, Nick, um assentador de tijolos reformado que não se coíbe nunca de opinar sobre a vida familiar do filho.

É, de facto, um livro cheio de vida: uma mistura de comédia e drama povoado por personagens fortíssimos, como Nick Fante, o pai, teimoso e terno, dedicado à família e ao seu ofício.

É um romance que leva a religião a sério, que formula o poder emocional e a natureza problemática da Igreja Católica Romana para muitos italo-americanos. E é ainda uma história forte e comovente sobre laços familiares que contribui de forma notável para a herança literária multiétnica dos Estados Unidos.

Opinião: A d o r e i. Tinha de começar a opinião assim porque poucas vezes se lê um livro de forma tão fácil, em que a narrativa nos faz reflectir, rir, até enternecer ou comover, muitas vezes tudo em simultâneo. Foi a minha estreia com John Fante, mas acredito que tenha sido o primeiro da sua vasta bibliografia, pois a vontade de ler mais obras suas ficou. Em Cheio de Vida, título que faz jus tanto à trama e ao enredo, desde o início que se sente uma certa inquietação: Joyce está grávida e muda a olhos vistos com o decorrer da gravidez. Depois é a casa que cede, térmitas no chão da cozinha. Inadmissível! E quem não mais do que o pai de Fante para ajudar a solucionar o problema? E quem melhor do que um padre para revolucionar a fé de Joyce? 

Não me admira que Charles Bukowski tenha considerado e enaltecido John Fante como seu mentor ou inspiração. Existe algo de muito enriquecedor na simplicidade com que este pequeno livro nos é apresentado. Os cenários e os diálogos, reais ou inspirados na realidade, têm um carácter muito próprio, humano. Normalmente só leio as sinopses depois de ter terminado as obras e sem dúvida que esta que aqui está faz justiça a Cheio de Vida. O discurso é tão gráfico que tenho várias passagens que acho que nunca me esquecerei sempre que este livro for mencionado. Uma delas é a viagem de John e Nick na volta para a casa cheia de térmitas. Imaginem que vão com o vosso pai, já nos seus sessenta e muitos anos, numa viagem de comboio. Imaginem também que este se recusa a ir jantar uma refeição decente, opta por debicar umas migalhas de algo que trouxe num saco, e à noite recusa-se a dormir nos beliches disponibilizados, ficando na casa-de-banho. De repente existe toda uma carruagem que vos despreza e só tem pena do vosso pai. Ahahah, tenho de admitir que a personalidade de Nick é qualquer coisa de estonteante. 

A evolução da gravidez de Joyce também foi qualquer coisa digna de registo. O seu comportamento foi mudando com John de forma cada vez mais acentuada. De repente já não podiam dormir na mesma cama, de repente ela passa a ter uma fé inédita e quer ser baptizada. O seu feitio transforma-se numa espécie de mutante que muda constantemente. E enquanto isto John tenta adaptar-se, afinal ama-a tanto! Entre o passivo e o compassivo, sem nunca se tornar aborrecido, John conduz-nos pela mão por entre todas as peripécias do casal e restantes intervenientes. Muito honestamente recomendo a leitura. É rápida, num dia, ou em duas noites (como foi no meu caso), fica lido e bem lido. Entre o drama e a comédia, foi uma leitura deveras inspiradora. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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