Sélébéyone – Jazz em Agosto 2017: música dos nossos tempos – por João Morales

© Gulbenkian Musica_PetraCvelbar
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Sélébéyone é um septeto liderado por Steve Lehman onde o Jazz e o Hip Hop enlaçam as mãos e desbravam novas possibilidades. Foi com eles, que abriu o festival deste ano.

João Morales

Se o Jazz foi uma das testemunhas privilegiadas do século XX, acompanhando diversas movimentações sociais e plasmando-as na evolução do seu som, parece querer manter essa postura exploratória. Se o Jazz em Agosto, da Fundação Calouste Gulbenkian, sempre se pautou por nos trazer abordagens inovadoras e mostrar o que se faz por esse mundo fora, também por aqui, a coerência se mantem.

O concerto inaugural da edição deste ano foi entregue ao novo projecto do saxofonista Steve Lehman. O grupo chama-se Sélébéyone, o que significa “interseção” em wolof, dialecto fortemente implantado no Senegal, e tem a particularidade de ter na linha da frente dois MC: Gaston Bandimic (figura central do Hip Hop, justamente do Senegal) e HPrizm (músico dos Antipop Consortium, que já trabalhou com o pianista Mathew Shipp). O disco de estreia, lançado em 2016, tem vindo a recolher um amplo agrado, e com a plateia de ontem à noite a reacção não foi diferente. 

A estrutura está montada de forma a suportar o triângulo frontal, o saxofone alto de Lehman e a dupla de vozes – Gaston notoriamente mais intenso, com um ritmo muito mais marcado, HPrizm mais celestial, tirando várias vezes partido da electrónica e apurando um diálogo com o seu próprio eco, em delay. Gravações (samples) diversas ajudam também a criar um pano de fundo. 

É quase impossível deixar de evocar Guru (de Jazzmatazz), US3, Steve Coleman ou Gang Starr, como antepassados deste encontro. Mas, aqui, o Jazz que serve de ingrediente é mais contemporâneo, mais devedor da sua vertente improvisacional – ou não fosse Steve Lehman discípulo de Anthony Braxton, com quem tocou no Jazz em Agosto em 2000 (então com apenas 21 anos, como o próprio salientou). 

A integração dos diferentes músicos foi eficaz, apesar de nem todos terem tido oportunidade de [nos] mostrar o alcance dos seus dotes. Foi o caso de Chris Tordini, num baixo eléctrico meramente acompanhante. Maciek Lassere, no saxofone soprano e com participação nas composições (que começou os seus estudos com o já referido Steve Coleman) e o teclista Carlos Homs (com alguns momentos a fazer lembrar a sonoridade de John Medeski, mas menos exuberante), deram um ar da sua graça, mas poderiam ter ido um pouco mais longe. Já Damion Reid, baterista que foi aluno de George Russell e Billy Higgins, começou calmamente, mas logo a partir do terceiro tema tornou-se num elemento preponderante da arquitectura sonora colectiva, impondo a sua batida e o seu ritmo, por vezes, em inspirada dupla com o saxofonista líder.

O cômputo final é bastante positivo, pela música, pela novidade experimentada, mas também pela simbologia inescapável. E assim regressamos à dimensão sociológica com que este texto se iniciou. Rui Eduardo Paes (que assina as folhas de sala dos concertos, comissariados, como habitualmente, por Rui Neves) realça «o envolvimento de três muçulmanos num grupo liderado por um judeu». Pois é, o Jazz sempre foi uma música do seu tempo…

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