Opinião: O ano sabático, de João Tordo

O ano sabático
João Tordo

Editora: Companhia das Letras

OPINIÃO: Iniciei “tarde” o meu percurso com João Tordo. Só o comecei a ler quando chegou, na altura, à Alfaguara, com o seu romance A Biografia Involuntária dos Amantes. Já era prémio Saramago, já tinha romances suficientes que comprovavam o seu valor, ainda assim nunca o tinha lido. E nem sei explicar porquê. Provavelmente confirmou-se aquela teoria que eu tanto defendo: são os livros que nos escolhem a nós e não o contrário. A verdade é que bastou aquela primeira leitura para ficar de sobreaviso que João Tordo era mais do que um autor premiado, era um autor ímpar. São coisas diferentes. 

Acabei por conhecer o escritor pouco depois e para além de o entrevistar para o blogue, quiseram as circunstâncias que o entrevistasse, pouco tempo depois, para o programa Contentor 13. Conhecê-lo e falar com ele foi um processo que sempre oscilou entre o fascínio e a intriga. Já depois do romance que mencionei, João Tordo publicou a “Trilogia dos lugares sem nome”, da qual fazem parte O Luto de Elias Gro, O Paraíso segundo Lars D. e O Deslumbre de Cecília Fluss.

Já este ano, em 2018, publicou um novo romance, Ensina-me a voar sobre os telhados. Toda esta descrição para vos dizer que nunca voltei atrás. Ou seja, até a’O ano sabático nunca tinha pegado num romance anterior ao último lançado, apesar de já ter pelo menos também As Três Vidas

Ler O ano sabático fez-me voltar a todos os instantes em que convivi com o autor. Mesmo já tendo lido todos os romances que mencionei no parágrafo anterior, O ano sabático surpreendeu-me de uma forma desarmante. Após ter terminado a sua leitura, fui ler a sinopse (eu raramente leio sinopses antes de iniciar os livros – sou estranha, eu sei) e deparei-me com a confirmação de ter parte real, ter parte do próprio autor na obra. De qualquer maneira, penso que seria impossível negá-lo. As semelhanças físicas dos protagonistas nunca poderiam ser mera coincidência. E depois de já ter entrevistado e convivido com João Tordo, também a associação de alguns traços psicológicos tornou-se inevitável. 

Confesso, ainda sinto algum assombro. Mergulhar neste livro foi como mergulhar num universo dentro de outro universo, em que através de um tentamos compreender o outro, e em que cada universo corresponde a uma parte de um indivíduo. A estrutura da narrativa está montada de forma tão inteligente que desde cedo fez prever que nos iríamos sentir numa espécie de labirinto, rodeado por uma teia difícil de romper, mas do qual não quereríamos sair sem nos descobrirmos a nós mesmos primeiro. 

Percebeu também que lhe faltava alguma coisa e que essa falta jamais seria colmatada com uma carreira. Percebeu que sempre lhe faltaria alguma coisa; que era incompleto, insuficiente para si mesmo, e que, na verdade, tinha pavor de procurar essa coisa, uma vez que a procura corresponderia ao pior de todos os horrores.

De vez em quando, abro a gaveta e olho para elas [fotografias], só para me recordar de que, nesta vida, o absurdo reina em absoluto.

Não falo sobre a história porque a sinopse já revela demasiado. No entanto, não vou terminar este texto sem referir a violência e o desolamento sentidos ao longo das páginas. O desespero e a obsessão da procura por uma identidade que se mostra sempre fugidia, sempre presa pelas teias da insegurança. O ano sabático é uma narrativa poderosíssima e reveladora das sombras que habitam os seres humanos.

João Tordo foi compositor e maestro de uma espécie de exorcismo e de catarse, um caminho para a metamorfose. É, sem dúvida, dos romances que impressionam e que nos irão voltar à memória quando menos esperamos, lembrando-nos que as nossas fragilidades e os nossos fantasmas nos podem levar à loucura, mas que também os podemos usar para nos transformarmos, para dar forma a algo novo e admirável. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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