Jazz em Agosto 2019: Freaks – a alegria de tocar e misturar

© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar   

A segunda parte do Jazz em Agosto 2019 começou com Freaks, um sexteto liderado pelo violinista Théo Ceccaldi que nos trouxe uma música intensa e descomprometida, que bebe em várias fontes mas tem um travo muito próprio.

Por João Morales

A pujança colectiva que este sexteto apresentou contrariou o clima acabrunhado de uma noite de Agosto equivocado, deixando bem claro que a energia e a noção unânime de uma sonoridade comum são traços identificativos de um projecto devedor do Jazz, de várias tendências do Rock, mas não só. Freaks, chamam-se eles a si mesmos, e trouxeram uma lufada de som contagiante ao anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian em mais um concerto do Jazz em Agosto 2019.

Théo Ceccaldi já tinha passado por este festival duas vezes; a primeira, em 2015, integrado na Orchestre National de Jazz (onde a sua forma algo anarquizante de abordar o seu instrumento deu logo nas vistas), a segunda, no ano seguinte, com o quarteto Petite Moutarde, num espectáculo devedor de influências surrealistas, acompanhando filmes de René Clair, Marcel Duchamp e Man Ray. À terceira vez, também não defraudou, com o sexteto Freaks.

Uma parte importante do som deste grupo passa pela conjugação dos dois saxofones (Mathieu Metzger – que se divide actualmente entre este projecto e os Anabasis, de Dominique Pifarély – e Quentin Biardeau) e do violino (nas mãos do próprio Ceccaldi) que, diversas vezes, apresentam o tema em uníssono, integrando uma espécie de caravana pós-moderna, derivando a partir daí para uma miríade de possibilidades. O início do concerto ficou marcado por uma vertente devedora do Jazz-rock, embora com uma musicalidade actualizada, tendência que se escutaria por diversas vezes, o que não é de estranhar, numa abordagem aglutinadora e ecléctica, como a que é levada a cabo por estes Freaks.

A influência de John Zorn é uma pista constante, tanto pelos seus Naked City, que criaram um momento de disrupção na História da Música mais recente, como por outras facetas, nomeadamente, a capacidade de evocar e desconstruir ambientes musicais próximos do easy listening. Nomes como Frank Zappa e alguns compositores do primeiro quartel do século XX (o próprio Ceccaldi realça a influência de Igor Stravinsky) também não estão isentos de responsabilidades no resultado final.

Por mais que uma vez, o mentor do agrupamento tomou conta dos holofotes principais, habitualmente acompanhado pela secção rítmica (Stéphane Decolly, no baixo elétrico, e Etienne Ziemniak – que já tocou com o saxofonista Paul Dunmall ou o contrabaixista Paul Rogers – numa explosiva e endemoninhada bateria, com o mais discreto Giani Caserotto, guitarrista).

A integração de elementos da dance music (com um Ceccaldi visivelmente satisfeito a desfrutar, bamboleando-se pelo palco), sem que nunca se tornem o cerne das atenções, a influência de algum doom rock – sem excessos, revelando a lucidez com tudo isto é misturado, com parcimónia e equilíbrio – o diálogo entre a chançon française e uma quase atonalidade que rapidamente pode dar lugar a um ambiente devedor do rock progressivo ou a um momento de falso lounge rapidamente desmascarado pela ousadia dos intérpretes, são marcas-de-água deste conjunto, que prima pela surpresa sonora e ousadia. Sempre com uma noção epicurista da música, patente no bom humor que lhe conseguem imprimir (no seu site oficial, Ceccaldi fala em “troça e extravagância, como se David Lynch revisitasse Tex Avery”).

Aliás, esta ousadia não se fica pela música, quando atentamos na postura quase queer dos seus elementos (a começar pela saia de Mathieu Metzger), atitude confirmada não pelas fotografias de promoção do grupo, como por outros vídeos de diferente projectos, patentes no youtube. Se tiverem curiosidade, espreitem “Danse de Salon”, interpretado por Ceccaldi e pelo pianista Roberto Negro, com quem mantém um duo regular.

© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar   
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